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Capitão Fantástico

Capitão Fantástico

Matheus Fiore - 14 de outubro de 2016

Capitão Fantástico conta a história de Ben Cash (Viggo Mortensen), um homem que cria seus seis filhos (Bodevan, Kielyr, Vespyr, Rellian, Zaja & Nai) na floresta. O estilo de vida de Ben e sua prole é totalmente alheio à sociedade contemporânea.  Apesar de viverem como selvagens, caçando o próprio alimento e se aquecendo com fogueiras à noite, todas as crianças tiveram acesso à uma educação alternativa.

Curiosamente, desde os mais novos até o mais velho, todos têm conhecimento aprofundado em diversos idiomas e conteúdos variados, desde filosofia, política, economia à sociologia. Certo dia a família é obrigada a embarcar em seu ônibus e partir para a cidade encontrar os avós das crianças, e é aí que o filme começa a ser desenvolvido.

O longa é rico em tantas camadas sociais e artísticas diferentes que é até tolo tentar avaliar e dissecar todos os temas abordados.  Há desde críticas desde ao patético e auto-destrutivo estilo de vida consumista e vazio que domina o século XXI ao robotizado e falido método de ensino que apenas forma alunos que decoram matéria e não exploram sua criatividade.

Talvez a maior riqueza de Capitão Fantástico seja observar que por mais que viva num mundo alternativo, com suas próprias regras e bem mais próximo da vida selvagem do que a da dita “civilizada”,  Ben é um personagem extremamente sereno e pacífico. Sempre que confrontado (e até quando agredido), nunca sequer esboça uma reação impulsiva ou violenta, buscando sempre ouvir e dialogar. O resultado é um relacionamento transparente e sadio com seus filhos, oposto ao que espera-se de humanos criados na floresta.

Há de se destacar a simplicidade mas primorosa técnica do filme. A montagem insere ligeiros planos de olhares, joelhos ralados, banhos de cachoeira e sorrisos que estabelecem a sintonia da família com  a natureza e a felicidade encontrada na vida longe da civilização. Igualmente fabulosa é a trilha sonora, muito contida mas extremamente eficiente e emocionante, dando muita vida às cenas das viagens da família e ajudando a embelezar as belas paisagens, que por sua vez são poeticamente fotografadas pelo diretor de fotografia Stéphane Fontaine.

Nada adiantaria a qualidade técnica, porém, se o roteiro não amarasse tudo numa belíssima narrativa. E o script de Matt Ross faz isso com eficiência. Além de tocar em temas riquíssimos sem necessidade de longos diálogos explicativos e mecânicos, há uma facilidade enorme em inserir um inteligente e sutil humor que equilibra as cenas mais dramáticas do longa.

Um dos detalhes mais preciosos da construção dos personagens e seus arcos é o principal ensinamento de Ben para seus filhos: nunca mentir. A mensagem é bem explorada quando num jantar que une a família “da floresta” com uma família “normal”, a família “normal” precisa explicar o significado de algo ruim para os filhos, e o caminho escolhido é a mentira, que não mata a curiosidade dos filhos. Ben, por sua vez, quando tem a mesma oportunidade, explica técnica e didaticamente o significado do “termo maldito”  e prontamente mata a curiosidade dos filhos. Além de ser um bom alívio cômico, o momento traça um sutil paralelo entre as duas formas de criação que instiga o questionamento no espectador.

As atuações também estão muito acima da média, com destaque para Viggo Mortensen, que passa sabedoria, astúcia e serenidade ao mesmo tempo que consegue ser imponente sem nunca precisar elevar seu tom de voz.  Além dele, George MacKay está fantástico como Bodevan, expressando toda a insegurança e medo de um jovem criado distante da civilização. Juntos, proporcionam um dos momentos mais emocionantes do longa, quando o primogênito abre o coração para seu pai.

Abordando diversos temas importantes e muitas vezes negligenciados pela sociedade, Capitão Fantástico encontra no corte do cordão umbilical da relação pai/mãe-filhos seu fio condutor narrativo. Independente da qualidade da criação que Ben proporcionou para suas crianças, é indiscutível que eles precisam sair para o mundo sozinhos, tropeçar, errar e aprender. Há de se aceitar que concessões são necessárias e que por pior que o mundo possa ser, ele precisa ser enfrentado.

Matt Ross fez seu trabalho com maestria e nos proporcionou um dos melhores filmes de 2016. Capitão Fantástico é simples, rico, sútil e ousado, sem nunca se tornar uma caricatura das próprias ideias ou soar moralista, mas também sem medo de fazer as críticas necessárias. É uma viagem filosófica e questionadora acerca da importância da figura paterna e seus limites e deveres.

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