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Narcos – 2ª temporada

Narcos – 2ª temporada

Gustavo Pereira - 5 de setembro de 2016

“OK. Here we go again.”

Steve Murphy

Assistir a Narcos é um constante exercício de expectativa e frustração. Este é o seu maior mérito. A segunda temporada, continuação imediata da primeira, que fecha o arco iniciado no primeiro episódio e completa a saga trágica de Pablo Escobar, deixa brechas para voltar numa inesperada (e ainda não confirmada) terceira e nos desalenta com a certeza de que não existem heróis no mundo real.

A História, invariavelmente contada pelo lado vencedor, trata de demonizar os derrotados e cobrir a si com a aura de idealismo e abnegação exclusiva de santos. Mas a pergunta que se deve fazer, de forma objetiva, é: 23 anos depois, o mundo se tornou um lugar melhor com a morte de Escobar? Na primeira temporada, descobrimos que ele chegou a traficar 5 bilhões de dólares por ano em cocaína para os Estados Unidos; hoje, a Colômbia exporta o dobro disso. A própria série destaca que, durante a caçada a Escobar e o verdadeiro cenário de guerra civil no qual ele transformou a Colômbia, o tráfico de cocaína para os Estados Unidos apenas subiu. Então, qual o propósito de gastar tanto tempo, recursos e vidas para derrubar um homem “barbudo, descalço e gordo”?

Este homem se tornou um troféu, mas qual foi o prêmio?

Este homem se tornou um troféu, mas qual foi o prêmio?

Se você prestou atenção à primeira temporada (vou falar dela de forma recorrente, é como se Narcos tivesse uma única temporada veiculada em duas partes), percebeu que a derrocada de Escobar começa quando ele decide ser deputado. Mais do que o mal que ele fazia, o destino de Pablo foi selado pelo que ele representava. Não foram os bilhões de cocaína ou os assassinatos que os transformaram em prioridade número 1: foi o deboche dele para com “tudo isso que está aí”.

O núcleo duro de protagonistas se esforça para dar credibilidade a uma história digna do realismo mágico (primeiro conceito apresentado na série e retomado nesta temporada), embora em algumas situações a dinâmica seja comprometida por alguns diálogos que, não sendo objetivamente fracos, são indiscutivelmente repetitivos. Por mais que se admire o empenho com que Wagner Moura ganhou peso, aprendeu espanhol e mimetizou os cacoetes de Pablo Escobar. Assista a vídeos do original no YouTube para ter uma melhor noção; Boyd Holbrook deu a Steve Murphy uma carga dramática à qual o próprio parece não dar importância (ele já disse considerar o dia em que Escobar morreu como o mais feliz de sua vida e tenho curiosidade para saber em que posição está o dia em que ele se tornou pai) e Pedro Pascal, mais uma vez na carreira, dá o ar de malandro das ruas para um Javier Peña que muitas vezes é responsável por dar alguma dinâmica à trama, que em alguns momentos se arrasta.

O começo da temporada mostra um contraste entre Pablo e seus perseguidores, com soldados narrando lendas sobre o narcoterrorista, que mais parece uma entidade divina, enquanto o casamento de Murphy passa por séria crise e a caçada a Escobar começa a se cobrar seu preço. Alto demais. A fotografia abusa de tons amarelos, indicando distração e ansiedade: significados originais do amarelo, otimismo e alegria nunca são mais do que ilusões. Por isso, o excesso de luzes artificiais.

Tensão entre Steve e Connie

Tensão entre Steve e Connie

Contudo, no decorrer dos episódios Pablo também passa por um processo de degradação. Se ele era o único personagem que dividia o quadro com sua família, aos poucos ele também aparece majoritariamente em planos fechados, demonstrando visualmente seu isolamento. Murphy e Peña constantemente se posicionam de forma antagônica nos quadros, não havendo parceria entre eles, tampouco. A forma como cada um lida com o caso não permite a cumplicidade que, a bem da verdade, nunca foi plena entre os dois.

Peña e Murphy: bem e mal são conceitos relativos

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Outro que também se encontra isolado é o presidente Gaviria (Raúl Méndez), sempre cercado por assessores e apoiado por ninguém. Essa relação de obediência sem convicção é claramente paralela com a dinâmica entre Escobar e seus sicários (os dois compartilham o sobrenome Gaviria, diga-se de passagem). O desejo mútuo de destruir o outro a qualquer preço mostra a falta de racionalidade nos dois inimigos. O presidente da Colômbia aparece mais de uma vez em um plano repleto do onipresente amarelo combinado com o vermelho, cor da guerra, pecado e nervosismo.

Quem é o vilão, afinal de contas? Todos são.

Gaviria: isolado e enfurecido. Ele não é melhor que Escobar

Gaviria: isolado e enfurecido. Ele não é melhor que Escobar

Os personagens estabelecidos na primeira temporada não ganham novas camadas de desenvolvimento, apenas tomam suas decisões baseadas no que são e já sabemos que eles são. Mais uma vez, este é um aspecto que torna Narcos previsível, com o atenuante de, por retratar fatos reais, qualquer um minimamente interessado é capaz de começar a assisti-la sabendo como termina. O foco está na apresentação de novos personagens e como eles interagem com um status quo que parecer ser imutável. A caçada a Pablo Escobar não visa combater o tráfico de cocaína e o espectador minimamente atento percebe de antecipadamente que, neste aspecto, as coisas só tendem a piorar. O arco de Limón (Leynar Gomez), que dura quatro episódios, merece destaque por mostrar o quanto pessoas comuns são vulneráveis a uma dinâmica social que estimula qualquer um a mostrar seu pior lado para sobreviver. Carrillo, que volta da Espanha para coordenar a caçada a Pablo, é outro que se mostra muito parecido com este, usando de expedientes típicos de foras-da-lei em nome do malfadado “bem maior”.

Mas para quem?

Em um mundo invertido, quem se esconde está fortemente iluminado: os irmãos Orejuela, que atuam nos bastidores para derrubar Escobar e assumir o controle da distribuição em Miami, estão sempre em escritórios arejados, ao ar-livre ou em varandas amplas; o Advogado-Geral De Greiff, que usa do cargo para pressionar o presidente e seu Vice-Ministro de Justiça numa guerra fria política também, embora em determinado momento ele apareça ao telefone com Pablo e ambos estejam à meia-luz, como que mostrando seu interesse mútuo em enfraquecer Gaviria.

Cartel de Cali: escondido às vistas de todos

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De Greiff: não busca justiça, mas capital político contra o presidente ao qual é inimigo

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Em pouco tempo, ele prova estar no mesmo nível de Escobar. Heróis? Volte amanhã

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As escolhas de direção remetem diretamente aos filmes da série Tropa de Elite. Mesmo José Padilha não tendo dirigido nenhum episódio desta temporada, sua mão de produtor é evidente em todo o trabalho. As cenas de ação lembram as incursões do BOPE às favelas do Rio, tão parecidas com as comunas colombianas; os irmãos Castaño facilmente liderariam Los Pepes na Zona Oeste carioca. Talvez seja essa a crítica ao trabalho de Padilha: ele é o AC/DC da dramaturgia, sempre replicando sua fórmula de sucesso em diferentes contextos. Antes de Narcos, isso já havia ocorrido no remake de Robocop, em 2014.

Narcos deixa um saldo positivo no conjunto da obra. Não segue no caminho seguro de romantizar o bandido, como em Inimigos Públicos (2009), ou vitimizá-lo em excesso, como em Profissão de Risco (2001). Curiosamente, ambos com Johnny Depp.

A vitória de Gaviria cobrou um preço tão alto que sua comemoração é amarga e solitária: venceu?

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Sua mensagem mais singela e simbólica está na abertura: virtualmente igual, ela muda apenas na televisão exibindo o presidente dos Estados Unidos no momento em que a série se passa. Seja Reagan, Bush ou Clinton, a genérica canção de Rodrigo Amarante embala qualquer relação de amor entre crime e poder público. Pois mudam-se os protagonistas, este amor bandido permanece o mesmo.

 

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