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A Múmia

A Múmia

Matheus Fiore - 8 de junho de 2017

Tendo uma coleção de filmes em quase todas as décadas da história do cinema, a famosa “Múmia” há alguns anos não via a luz de um projetor. Após a divertidíssima aventura de 1999, houve uma sequência decente em 2001 e uma terceira parte desastrosa em 2008 (uma das poucas vezes na vida em que lutei contra meu impulso de levantar e sair da sala do cinema). O personagem, então, foi “aposentado” por quase dez anos. O retorno veio em um momento curioso. Na era em que o cinema é dominado por franquias de super heróis, a Universal tenta criar seu próprio universo compartilhado, o “Dark Universe”, que reunirá figuras como King Kong e Godzilla. A direção do novo A Múmia fica nas mãos de Alex Kurtzman (sua estreia como diretor), responsável pelos roteiros de Transformers 2, A Lenda do Zorro, O Espetacular Homem-Aranha 2, Caubóis & Alienígenas e Truque de Mestre 2. É, não é um autor muito confiável.

Diferente do esperado, o “reboot” pouco puxa da última aparição da Múmia nos cinemas. O protagonista Nick Morton (Tom Cruise), porém, tem premissa parecida com de seu antecessor. Um ladrão, bem ao estilo estilo Nathan Drake (protagonista da franquia de jogos Uncharted) busca riquezas egípcias antigas perdidas no meio do deserto, e acaba despertando uma princesa amaldiçoada que pretende destruir o mundo (original, não?). Encorpam o elenco a arqueóloga Jenny Halsey (Annabelle Wallis, tão expressiva quanto um pedaço de mármore) e o médico Henry Jekyll (Russell Crowe).

O filme até começa de forma decente. Com um primeiro ato que não apressa seu desenvolvimento, estabelece o caráter de seus personagens por meio de piadas aceitáveis e diálogos que, mesmo sendo expositivos, funcionam. O problema mesmo é o apego do diretor Kurtzman ao texto. Mais roteirista do que diretor, o americano não demonstra nenhuma sutileza ao desenvolver sua trama e o faz com personagens explicando tudo que o público precisa saber com narrações totalmente deslocadas, utilizando até frases projetadas na tela para facilitar o desenvolvimento. Apesar disso, há cenas relevantes como a da queda de um avião em que o eixo da câmera muda constantemente para acompanhar os movimentos dos personagens, criando uma cena com urgência e uma curva climática agradável.

O longa até funcionava até a metade do segundo ato, graças principalmente ao interessante trabalho do diretor de fotografia Ben Seresin, que utiliza contraluz para construir a silhueta da vilã, algo imprescindível para estabelecer grandes vilões e que Hollywood parece ter esquecido na última década. Mas a “mão invisível do estúdio” destrói o enredo. Para a trama da vilã milenar que quer destruir o mundo funcionar, há de se desenvolver sua história. Mas se nem o protagonista possui um passado, o que esperar da múmia? Entra em cena, então, todo o núcleo do personagem de Russell Crowe, que está lá claramente para introduzir o universo de “monstros” que transformará o filme em um gatilho de franquia. Daí em diante, o filme esquece sua história até os trinta minutos finais, se preocupando apenas em criar uma saga, sem lembrar que uma saga é feita de, vejam só, FILMES, que deveem funcionar individualmente, e não trailers com duas horas de duração.

A Múmia ainda traz um problema que não é exclusivo da obra, podendo ser percebido em boa parte das atuais produções hollywoodianas: o péssimo uso do humor. Se no longa de 99 o alívio cômico fazia parte do tom aventuresco proposto, aqui ele destrói completamente as tentativas de impor um clima sombrio e de horror, principalmente quando há inserções de piadas pobres como “você não faz meu tipo” em cenas importantes. E os problemas não se limitam ao roteiro, a construção narrativa também é falha na direção e na edição. Os dois elementos trabalham em parceria para destruir completamente qualquer potencial que as cenas de ação apresentam. Não só as câmeras tremidas são uma forma vergonhosa de maquiar a falta de criatividade da direção, como o excesso de cortes dificulta o estabelecimento de uma mise-en-scene. O resultado é um filme de terror e ação que não consegue criar um clima sombrio e muito menos empolgar nas lutas e perseguições, muito graças à incapacidade de Kurtzman de perceber que trabalhar os planos é mais eficiente do que trabalhar borrões.

A montagem também é um desastre. As repetidas inserções dos mesmos flashbacks – que visam martelar para o espectador como cada elemento se liga à trama principal – são não só covardes por não confiar na inteligência de seu público, mas também cansativos. Na quarta vez que vemos a princesa egípcia tramando seu plano contra a família já parece que estamos encarando uma tela na barriga de um Teletubbie que repete macabramente: “de novo! De novo!”. A total falta de ritmo também impede que o clímax seja algo além de fraco. Sempre que o filme está numa crescente, há uma quebra para que a trama seja mais uma vez explicada, sem que haja espaço para o público respirar e tirar suas próprias conclusões.

No final, a busca pela redenção de um personagem que nada sabemos sobre pouco importa. Aliás, é difícil torcer pelo “herói” de Tom Cruise. Em certos momentos, sua burrice ultrapassa os limites da suspensão de descrença, principalmente quando um vilão afirma que vai matá-lo e, ao invés de reagir ou fugir, o personagem pergunta “por quê?”. Até dá pra absolver parte da equipe técnica, principalmente a edição de som e a fotografia, que conseguem criar o tom sombrio das cenas do vilão e o onirismo inerente aos delírios provocados pela múmia, mas a direção é incapaz de coordenar a equipe e construir com ela uma narrativa concisa. Visualmente interessante (pelo menos quando não atolando por computação gráfica) e comercialmente pretensioso, o remake de A Múmia mete os pés pelas mãos e tenta criar uma franquia antes de fazer o básico: um bom filme. Perto de Tom Cruise, Brendan Fraser é quase Indiana Jones.

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