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Columbus

Columbus

Matheus Fiore - 12 de setembro de 2017

Como ocorre com qualquer acontecimento, a visão que o espectador terá sobre um filme sempre dependerá das variáveis que cercam sua vida naquele momento. Talvez por isso, um dos hábitos que define o cinéfilo é justamente o tesão por revisitar obras já assistidas, a fim de ganhar um novo olhar sobre algo previamente visto. Com isso em mente, o diretor estreante Kogonada tece um estudo que correlaciona os relacionamentos entre pais e filhos com a arquitetura modernista da cidade de Columbus, nos Estados Unidos. O coreano decide mostrar como nossas atitudes refletem em nossos ímpetos, e como cada um reage aos seus próprios dilemas.

No cerne da obra, há dois personagens protagonistas. A bibliotecária Casey mora com sua mãe em Columbus, no norte dos Estados Unidos. Já Jin, tradutor sul-coreano, chega à cidade para visitar seu pai, que está morrendo. Impactados por seus passados e temerosos quanto ao futuro, os dois encontram na espontânea amizade e na cidade um conforto, uma forma de abstração de suas dores e traumas. Columbus mostra-se como uma materialização dos sentimentos de seus personagens por meio da arquitetura.

Como disse o próprio Kogonada, a separação é um tipo de morte (e vice versa). Ambas são relações similares, que despertam medo nos personagens justamente pelo desconhecimento quanto a como eles vão se preparar para elas. Enquanto Jin precisa lidar com a perda do pai – e, mesmo negando, a atuação de John Cho é certeira ao sempre imprimir fragilidade em suas palavras, provando que há um enorme medo -, o personagem reage tentando a qualquer custo reduzir sua estadia em Columbus. Já Casey, precisando lidar com o iminente abandono de sua mãe (a jovem conseguiu uma bolsa de estudos fora do Estado), encontra na paixão pela arquitetura uma forma de justificar sua estadia na cidade natal.

Assim como Jim Jarmusch faz em Paterson, Kogonada trabalha com brilhantismo os diálogos corriqueiros – que, pela qualidade do roteiro, funcionam como bula da obra. A relação entre pais e filhos, que é trabalhada em perspectivas, ganha base quando nos é apresentada a relação entre o pai que ama livros e não entende de videogames e o filho que ama videogames e não entende de livros. Mas, como o bom cinema deve fazer, Columbus consegue ir além e materializar tal relação, utilizando principalmente a arquitetura da cidade, como a ponte que vemos sob diferentes ângulos em diferentes planos, ganhando vida nova a cada visita. O resultado é a criação de um jogo de perspectivas, alteradas constantemente e proporcionando melhor diálogo entre as gerações.

Na escolha de planos, Kogonada retrata bem os reflexos que ditam o andamento dos relacionamentos. Quando a mãe de Casey chega em casa e vai tomar banho, por exemplo, acompanhamos a cena sob um ponto de vista específico. Mais adiante, quando é Casey quem está saindo do banho, vemos o fato por um ângulo inverso, o que ajuda a estabelecer como as duas mulheres vivem momentos distintos, praticamente opostos, algo que reflete a relação de aprisionamento que permeia a vida da bibliotecária. Já com Jin, por não vermos a figura do pai (que sequer tem o rosto mostrado – escolha admirável de Kogonada), a distância entre os dois homens é retratada justamente pela ausência – e simbolizada pela arquitetura, como o edifício que possui duas grandes torres de concreto que se apontam mas nunca se tocam.

Columbus mostra-se, ao decorrer da projeção, uma obra preocupada em expressar imageticamente o que seus personagens não encontram força para dizer. Se analisarmos que Casey, por exemplo, tem um constante desejo de fugir que nunca é verbalizado, seu fascínio por prédios modernistas cheios de vidro indicam seu desejo de ser transparente, permitir que sua mãe e o mundo compreendam o que há em seu interior para conectá-lo com seu exterior – como a arquitetura modernista faz. Já com Jin, o desprezo pela arquitetura é uma manifestação de sua incapacidade de relacionar-se com seu pai (um arquiteto renomado).

Com uma sutileza que encanta, Columbus impressiona por fugir do óbvio quando retrata os grandes dramas da história. O momento mais intenso da relação de Casey e sua mãe, por exemplo, acontece no primeiro ato, quando a personagem realiza uma atividade que apenas no segundo ato ganha significado. Os grandes acontecimentos da vida dos protagonistas são apresentados fragmentados ou alegoricamente (como o surgimento do apreço de Jin pela arquitetura, que simboliza o perdão pela ausência do pai), fazendo com que a obra mantenha um mesmo tom melancólico e invariável.

Com uma conclusão anti-climática e fria, Columbus é fiel à proposta de Kogonada, e retrata a melancolia intrínseca de seus personagens não como uma dor, mas como um elemento formador de suas personalidades. Como a água que flui no riacho enquanto Jin desabafa no ato final, as situações pelas quais ele e Casey passam são processos naturais da vida, que precisam ser digeridos e revisitados pela dupla. Aos protagonistas, essa bela história coloca em conflito suas visões de mundo, duas realidades que, dialeticamente, buscam evoluir em uma jornada de autoconhecimento e aceitação. Columbus é cinema e poesia, capaz de criar no espectador o impulso de buscar enxergar sua própria realidade com um novo escopo, como um filme que marcou nossa infância e pede que o revisitemos.

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