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Deuses Americanos 1×05 – Lemon Scented You

Deuses Americanos 1×05 – Lemon Scented You

Gustavo Pereira - 29 de maio de 2017

“Lemon Scented You” é precedido por “Git Gone”. Para ler a crítica do quarto episódio de Deuses Americanos, clique aqui.

As texturas sonoras criadas por Brian Reitzell nunca serão elogiadas o suficiente nestas críticas. Passagens como a “Coming to America” deste episódio são rituais de oferenda por si. A história de Nunnyunnini, deus dos paleoíndios que não foi capaz de sobreviver à chegada ao novo continente, é marcada por uma trilha tribal, com uma flauta andina improvisando sobre a base de uma nota dó em ostinato. A escolha do dó, primeira nota da escala diatônica maior fundamental (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), representa o início da colonização. O trabalho de Reitzell reafirma todas as ideias de começo que esta introdução de episódio apresenta. O ostinato também permite uma sensação de perenidade, como se a adoração a um deus fosse eterna. Mas a retirada abrupta desta nota no arranjo indica que tal perenidade não existe. Todos os deuses estão sujeitos ao fim.

Atsula: o “preço a ser pago” não cobriu o cheque especial divino

Variações do tópico “fim iminente” são desenvolvidos por todo o episódio: a noção de Laura ter razão e, “depois que morremos, apodrecemos”; de um delírio coletivo ser transformado em verdade; e na capilaridade dos Novos Deuses ser sufocante (a verdadeira onisciência está em seu líder, Mr. World, mais uma atuação conscientemente caricata de Crispin Glover). Uma vez que caminhos são traçados, não há como contorná-los. E precisamente conhecer estes caminhos é o que torna o trajeto angustiante como um caminhar pelo corredor da morte.

Mais uma vez, o rosto de Shadow ocupa praticamente a tela inteira em um episódio, mostrando que ele está preso àquela realidade assustadora

O uso de planos-detalhe, aliado a uma edição de som com arrastos, faz o tempo psicológico de Shadow passar mais devagar do que o tempo real: para ele, a quantidade de informações a serem processadas é (muito) maior do que sua capacidade, fazendo o mundo “andar em câmera lenta”

“Lemon Scented You” se apoia em três pilares para ser o melhor episódio de Deuses Americanos até aqui: o roteiro de David Graziano, a fotografia de Darran Tiernan e as atuações, principalmente do já citado Glover e da excepcional Gillian Anderson. Sobre a intérprete da Mídia, compare sua encarnação de David Bowie com esta entrevista do cantor em 1973 e suas outras aparições, como Lucille Ball e Marilyn Monroe. A Dana Scully de Arquivo X não faz um papel, mas três (até aqui). Seu desafio é dar face a uma divindade-camaleoa, que assume uma aparência diferente para cada “devoto”.

Graziano, por sua vez, estabelece um paralelo sem amenizações entre religião e mercado. A proposta de Mr. World a Wednesday nada mais é do que uma joint venture, para que todos possam “explorar seus públicos” de forma autônoma, mas compartilhando recursos. O uso das prosopopeias nos Novos Deuses, onde World é uma espécie de “diretor da CIA”, Mídia é manipuladora, charmosa e cruel e Tecnologia é “boa, mas cruel com quem não a conhece” (uma linha particularmente inspirada), expressam com clareza acadêmica que o povo americano não idolatra ideias, mas ferramentas. Uma para controle, uma para criar pós-verdades e outra para espalhá-las.

Mr. World, assim como os Observadores de “Fringe”, é inspirado no mito americano de que existe uma agência secreta governamental responsável por controlar todo o fluxo de informações e pode encontrar qualquer pessoa. Abaixo, um enquadramento em ângulo contra-zenital, que o torna soberano na cena.

Esse tom de asfixia é refletido por uma fotografia que aposta menos em cores e mais em luz, principalmente no uso da técnica do chiaroscuro. Apesar de refletir o sentimento geral de prisão (também reforçada pelo uso de primeiríssimos planos em personagens acossados e planos contra-zenitais nos perseguidores), Tiernan padroniza as cenas e enfraquece o trabalho iniciado por Jo Willems, onde cada personagem era associado a uma cor.

Todos os olhares dos personagens se dirigem a Technical Boy, mas “o” olhar, que também é o mesmo do espectador, é o da Mídia: ela cria a verdade que quiser

Um pequeno detalhe para um episódio muito acima da média do que é oferecido regularmente pela televisão. Por mais surpreendente que isso seja, a primeira temporada de Deuses Americanos entrou na segunda metade com “Lemon Scented You”. Em três semanas, as segundas-feiras certamente serão menos esperadas.

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