Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Os Trapalhões são novos: a vergonha alheia, nem tanto

Os Trapalhões são novos: a vergonha alheia, nem tanto

Gustavo Pereira - 17 de julho de 2017

A sensação de assistir ao primeiro episódio do revival de Os Trapalhões, exibido pelo canal VIVA nesta segunda (17) só encontra paralelo no fatídico dia em que a Seleção Brasileira levou de 7 da Alemanha na semifinal da Copa do Mundo de 2014. Luiz Felipe Scolari, contratado pela CBF apenas por ter treinado a seleção em 2002, quando conquistou o pentacampeonato mundial, achou que o repertório de 12 anos atrás seria o suficiente para repetir o sucesso. Todos sabemos como terminou.

Caso extremamente peculiar do audiovisual tupiniquim, Os Trapalhões teve uma longevidade impressionante: ficou no ar entre 1977 e 1995, rendeu 21 filmes (a franquia dos Trapalhões é, até hoje, responsável pelo maior retorno em bilheteria da história do Cinema Brasileiro), revistas em quadrinhos, desenho animado e diversos produtos licenciados. Até hoje, a marca rende dinheiro: a Brassaria Ampolis comercializa as cervejas “Cacildis”, “Ditriguis” e “Forévis”, inspiradas em Mussum, personagem de Antônio Carlos Bernardes Gomes, considerado quase que de forma unânime o Trapalhão mais engraçado.

É tentador “copiar e colar” uma fórmula que deu certo por tanto tempo, mas é preciso entender que a sociedade brasileira mudou muito nos últimos 40 anos. O país, que vivia sob uma ditadura militar, teve dois acontecimentos marcantes em 1977: a estreia de Os Trapalhões e a aposentadoria de Pelé. Quando o primeiro ministério de Michel Temer foi comparado ao último ministério sem mulheres, falávamos do governo de Ernesto Geisel, naquele momento ainda a 2 anos de passar o cargo para João Figueiredo, o último presidente militar. Liberdades, valores e ideologias são, independente das vontades de alguns saudosistas do terceiro milênio, inconcebíveis para os dias de hoje. Definitivamente, certas piadas não cabem mais.

Isso não é desmerecer os artistas envolvidos no projeto original, mas sim olhar para o que foi feito com as ressalvas históricas. Renato Aragão e sua trupe representaram um humor inofensivo, que se absteve do direito de questionar qualquer coisa, transformando minorias em motivo de riso durante esquetes mirabolantes, mas verdade seja dita: representando eles próprios essas minorias. Em muitos momentos inocente, mas muitas vezes genial. Grande motivo para a longevidade do programa foram as piadas voltadas para o negro alcoólatra, o afeminado, o nordestino e o idiota. Quando não nos vemos como o motivo do riso alheio, rimos sem culpa. Não queimem os rolos de filme com as esquetes originais, apenas façam esquetes novas, alinhadas com o ano de 2017!

Porque é impossível rir do Nego do Borel imitando Tião Macalé. Também é patético convidar Letícia Lima para interpretar a “Mulher-Silicone” numa espécie de “Liga da Justiça de condomínio”. E é particularmente triste ver Mumuzinho, que está correndo atrás da própria carreira como cantor e ator, ficar marcado como “um excelente imitador do Mussum”. Aliás, esta colocação também se aplica a Gui Santana, que imita Zacarias à perfeição. Mas, quando o maior elogio que se pode fazer é “os atores imitam bem os originais”, já dá pra imaginar o nível da produção.

Um episódio de 30 minutos com tantos roteiristas que foi impossível contar o número exato (a revisão final é de Péricles Barros) se limita a recontar piadas que, em sua maioria, seriam excluídas da edição final nos anos dourados d’Os Trapalhões original. Em menos de dez minutos, três piadas de cunho homofóbico, entremeadas por atos cômicos dos anos 30, como tortas na cara e um festival de obviedades: um barbeiro que corta os cabelos de Sansão, Rapunzel e Medusa, por exemplo. Talvez, as esquetes da farmácia e do veneno (não entrarei em detalhes, imaginando que você tenha o interesse de assistir) funcionassem no original, mas param por aí. Ao tentar evocar o mesmo humor de 40 anos atrás, se furtando o direito de ousar e colocar os Trapalhões em situações diferentes, mesmo os acertos são erros.

Na esquete que talvez simbolize o tom geral dessa perda de tempo, Mussa, Zaca, Dedeco (Bruno Gissoni) e Didico (Lucas Veloso) – sim, estes são os nomes – ficam presos em um elevador com Dedé Santana, o original, e resolvem tirar as roupas, para que possamos descobrir que eles estavam usando lingerie. Por que não acho isso é engraçado?

Usando da Navalha de Occam, respondo da forma mais objetiva possível: porque não tem graça.

Topo ▲