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Punho de Ferro – 1ª temporada

Punho de Ferro – 1ª temporada

Gustavo Pereira - 20 de março de 2017

Se fosse possível resumir em uma frase Punho de Ferro, nova produção da Marvel/Netflix, esta seria “oportunidades perdidas”. O gancho deixado em Doutor Estranho sobre a existência de outros planos de realidade e forças místicas operando entre diferentes mundos poderia ter sido explorada em uma série de 13 episódios com censura 18 anos. Mas a cidade mística de K’un-Lun e seu povo se resumem a menções vagas e flashbacks de uma cadeia montanhosa com neve de computação gráfica. E isso nem é a pior parte.

Quem já viu a primeira temporada de Arrow vai encontrar muitos paralelos incômodos numa história não lá muito criativa: um acidente trágico mata os pais de Danny Rand (Finn Jones), que milagrosamente sobrevive. Sendo resgatado por dois monges, cresce em K’un-Lun, onde é treinado em artes marciais e se torna Punho de Ferro. Sua função é proteger os portões da cidade a cada 15 anos, quando ficam abertos para nosso mundo. O que seria uma história maravilhosa é contada aos pedaços, em diálogos piegas sobre a beleza da cidade mística.

Não só piegas, Danny Rand é cafona mesmo

A cultura chinesa – K’un Lun é claramente inspirada por ela – é riquíssima. Assistir a filmes como Herói ou O Tigre e o Dragão são verdadeiras aulas sobre como este povo lida com o dever, o respeito, a honra, o corpo e a alma. Punho de Ferro é caricato em alguns momentos. Talvez leitores mais novos não conheçam esta referência, então vou mostrá-la:

Nesta cena de O Grande Dragão Branco, vemos Frank Dux, vivido por Van Damme, completamente alheio ao mundo que o cerca. Seu treinamento não é estético ou exibicional. O diretor Newt Arnold escolheu uma forma não-verbal de demonstrar a importância da disciplina para o seu personagem, a ponto dele ignorar completamente as piadas de seu amigo. Punho de Ferro não consegue fazer uma – vou salientar, não consegue fazer UMA – cena como essa em quase doze horas.

O grande problema está no roteiro, que cria personagens unidimensionais, rasos como uma colher de chá. Por mais que seja um coadjuvante, Kyle (Alex Wyse) é um assistente pago – em dobro, diga-se de passagem – para acessar o Google. É quase uma caricatura, existe para forçar um alívio cômico de uma série que não consegue acertar a hora e o lugar de nenhuma piada. Os diálogos, que deveriam avançar a história e expor características dos personagens, acabam por provar que a equipe criativa simplesmente não sabia o que fazer para preencher 13 episódios. Frases como “eu sou o Punho de Ferro” chegam a irritar o expectador, de tanto que são repetidas.

Colleen, Claire e Danny definitivamente não funcionam bem como equipe

Aspectos interessantes, além da já citada história de K’u-Lung, também são tratados superficialmente. A relação entre Danny e seus amigos de infância Ward (Tom Pelphrey) e Joy Meachum (Jessica Stroup), que seria fundamental para entender a animosidade de Ward e o carinho de Joy, é abordada em uma cena flashback de um minuto. Comparar com o episódio que conta a origem de Wilson Fisk na primeira temporada de Demolidor seria covardia. Joy é outra personagem problemática, que molda seu caráter de acordo com a necessidade da história, alternando entre a sordidez, a empatia, a inocência e a completa burrice. Ao entrar no mundo empresarial, Danny se vê em uma realidade completamente diferente daquela onde foi criado, mas a falta de credibilidade do que diz e do carisma de Finn Jones tornam difícil a aceitação da mensagem, que vira um moralismo barato. Ao se aprofundar na organização criminosa conhecida como Tentáculo (que será fundamental no crossover dos Defensores), Punho de Ferro desperdiça outra boa chance de mostrar as diferentes correntes dentro do grupo, transformando tudo numa massaroca de “seis por meia dúzia”.

Não é tudo na série que é ruim, obviamente, mas a maioria do que é bom não é original dela. Madame Gao (Wai Ching Ho) tem o maior tempo de tela em uma produção Netflix e claramente sabe mais do que diz a Danny. Carrie-Anne Moss é maravilhosa como a advogada true neutral Jeri Hogarth. Rosario Dawson, embora não tão bem quanto nas outras séries da franquia Marvel/Netflix, se esforça com um texto risível para manter as partes do universo interligadas fazendo referências a Luke Cage e a Matt Murdock. O sexto episódio merece destaque, quando Danny participa de um duelo e ouve ensinamentos de seu mestre em outro plano.

Entre uma direção preguiçosa que fica anos-luz atrás das cenas de luta de Demolidor e deveria ter vergonha de tentar evocar referências a O Tigre e o Dragão e as tensões que não geram tensão nenhuma (se o protagonista de uma série é empurrado de um prédio no terceiro episódio e não estamos em Game of Thrones, então não há a menor dúvida de que ele aparecerá vivo no próximo, portanto não há tensão), Punho de Ferro se arrasta. Temas importantes como o propósito da vida e a independência em relação ao que os outros esperam que façamos ficam mais no discurso do que nas ações. Daddy issues já foram abordados tantas vezes que é preciso inteligência para não serem óbvios, sendo exatamente a falta de inteligência na abordagem o que faz Harold Meachum (David Whenham) ser o vilão mais insosso do MCU.

Até agora, não sei se Zhou Cheng deveria ser dramático ou cômico. Um personagem jogado que não funciona de nenhum jeito.

Para quem está acostumado ao padrão estabelecido pela Netflix, Punho de Ferro provavelmente decepcionará. Tire suas próprias conclusões assistindo agora mesmo.

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