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O que o Rodrigo Hilbert tem a ver com os Simpsons?

O que o Rodrigo Hilbert tem a ver com os Simpsons?

Gustavo Pereira - 18 de julho de 2017

A notícia de que Rodrigo Hilbert está revoltando os homens brasileiros não é exatamente nova. Durante a última semana, a internet se dividiu entre os que querem ver Rodrigo pelas costas, pois a sua existência é a prova definitiva da incompetência masculina para lavar um prato, e os que querem ver Rodrigo inspirando uma revolução, pois a sua existência é a prova definitiva da deliberada incompetência masculina para lavar um prato. Cada país tem a Guerra Civil que merece, não é mesmo? Pode parecer uma bobagem nonsense, mas há uma explicação assustadoramente palpável para o movimento #AlguémPrecisaPararRodrigoHilbert. E ela começa com aquele que tem sido o homem mais influente dos Estados Unidos nas últimas duas décadas.

Claro, eu estou falando de Homer Simpson

Uma parte fundamental do trabalho do crítico nunca chega ao público: entre uma sessão de cinema e uma maratona na Netflix, há muito estudo teórico envolvido. E um dos canais favoritos na redação do Plano Aberto é o “Folding Ideas“. O vídeo que publico abaixo está em inglês, mas a íntegra é recomendadíssima:

Para quem tem dificuldades com a língua, traduzi os principais tópicos abordados:

  1. Um geração chegou à idade adulta em um mundo pós-Simpsons;
  2. Os Simpsons são o marco cultural pra, praticamente, qualquer coisa;
  3. Homer é uma crítica à personalidade masculina na cultura e na mídia;
  4. O papel da sátira é caçoar do objeto satirizado, envergonhando a sociedade a ponto de promover mudanças;
  5. Homer está preso a uma emaranhada teia de influência recursiva;
  6. Por mais extrema a sátira, alguém vai concordar com o que se diz, e não com o que se quer dizer;
  7. A sátira é uma piada. Se você não pega a piada…
  8. O sucesso d’Os Simpsons mudou o status quo da programação televisiva de horário nobre, promovendo uma sucursal de programas validando o arquétipo do homem gordo, preguiçoso, vadio etc. sem a condenação satírica;
  9. Os Simpsons representavam um movimento de contracultura, mas agora são um ícone da cultura pop, uma “fórmula de sucesso”;
  10. Os personagens se tornaram cada vez mais extremos ao longo do tempo, porque o mundo se tornou cada vez mais extremo;
  11. Homer nasceu como uma boa pessoa presa a circunstâncias ruins, mas depois ficou “mais simples, mais engraçado e menos moral”;
  12. Quando um gordo estúpido é o protagonista, a audiência torcerá por ele e aceitará as suas decisões: a audiência é treinada para gostar do protagonista, não importa o quão sórdido ele seja;
  13. Homer passou de anti-modelo para modelo de conduta.

É possível que, a esta altura, você esteja entrando em negação: “eu não sou o Homer, ele é um desenho, seu idiota!” Mas, se uma campanha “parem o Rodrigo Hilbert” chegou a tais proporções, deixe eu lembrá-lo da sinopse deste episódio d’Os Simpsons, exibido no já distante ano de 1999:

Apu tem uma briga com Manjula e, achando que ela quer se divorciar, passa a presenteá-la nos 7 dias que antecedem o Dia dos Namorados, deixando mais tensos os casamentos de todos de Springfield, inclusive Homer e Marge.

Estou com o cupido

Não lembrou? Deixe eu ajudar:

“Amigo, a humanidade tá aqui na humildade tentando agradar, cozinhando nossos strogonoff, consertando o trinco da porta, batendo prego pra pendurar quadro. O senhor poderia por favor parar de ser isso tudo?”

“Aí o senhor me vem construir uma casa pros filhos do tamanho da minha casa, ao mesmo tempo que cozinhava um pato ao molho de pétalas da Atlântida e depois de ter feito crochê ao mesmo tempo que refinava o ouro do colar que vai fazer pra sua esposa. Rodrigo, pare. Você está me atrapalhando”

Mas o que o Rodrigo Hilbert tem a ver com tudo isso?

Este é um exemplo extremo – e, por mais incrível que pareça, real – de como anos de entretenimento podem mudar as noções coletivas de certo e errado. Não, Os Simpsons não nos ensinaram que a preguiça é recompensada (e eu duvido que alguém prenda Elton John numa gaiola), mas tornou socialmente aceitáveis os padrões relapsos do homem de meia-idade, expondo-os à exaustão em horário nobre sobre diferentes roupagens. Uma brincadeira que, de 1989 pra cá, foi ficando séria. É possível, até provável, que a maioria das pessoas veja a indignação contra Rodrigo Hilbert como uma grande brincadeira, mas sempre existirá alguém que concordará com aquilo que se diz em lugar daquilo que se quer dizer. Não por acaso, os Estados Unidos colocaram um grande Homer Simpson na Casa Branca.

Duas lições podem ser tiradas disso tudo: uma é sempre questionar a mensagem intrínseca em tudo, não se limitando à literalidade das coisas. Pergunte-se sempre “o que isso quer dizer?”, sob risco de tomar uma zombaria ao seu estilo de vida por um tapinha nas costas. A outra é lavar a maldita louça. Sua mão não vai cair por isso, pode acreditar.

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