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3% 2×01 – Espelho

3% 2×01 – Espelho

Gustavo Pereira - 27 de abril de 2018

Texto exclusivo sobre “Espelho”, primeiro episódio da segunda temporada de “3%”. A crítica da temporada completa está aqui.

Quase ninguém se lembra, mas “3%” é anterior a “Jogos Vorazes”. A saga protagonizada por Jennifer Lawrence chegou aos cinemas em 2012, um ano depois do piloto da série brasileira (assista aqui) ser colocado no YouTube. A completa falta de interesse do Estado e da iniciativa privada brasileira em financiar o projeto fizeram a obra de Pedro Aguilera parecer menos original do que é quando finalmente foi produzida pela Netflix, em 2016. Agora, a saga distópica que divide o Brasil em “Continente” e “Maralto” volta para uma segunda temporada, novamente focada em seus personagens e nas escolhas que precisam fazer para sobreviver em situações hostis.

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Joana tem as dificuldades mais óbvias pela frente

“Espelho” é um título oportuno e inteligente para este episódio, a níveis físicos e filosóficos. Um espelho reflete o que aparece à frente dele. Oferece a quem se vê nele a projeção exata da imagem que mostra ao mundo. Exibe o que está atrás, mas bloqueia o que está logo à frente. Também é se olhando no espelho que notamos aspectos de nós mesmos que, antes, nos eram desconhecidos. Dividida entre as duas partes de “3%”, os eventos de “espelho” colocam suas protagonistas Michele (Bianca Comparato) e Joana (Vaneza Oliveira) em situações espelhadas. Simetricamente opostas, igualmente desafiadoras.

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Mas Michele não está muito melhor do que ela

A montagem de Vinicius Prado Martins, excelente para “espelhar” os dilemas das protagonistas de cena em cena, tem um começo torturante no que diz respeito à estruturação do episódio. Para começar a contar sua história, “Espelho” vai e volta no tempo quatro vezes em menos de cinco minutos: da fundação do Maralto pelo tão idolatrado “Casal Fundador”, chegando aos despertares de Michele e Joana nos dias atuais, voltando seis meses na vida de Joana e depois retomando o presente, o espectador é capaz de se perder nos saltos temporais e não entender onde os personagens de cada tempo foram parar.

Ratificando a leitura de que Martins soube estabelecer com clareza os paralelismo cena a cena, este mesmo despertar encontra rimas visuais para todos os momentos de Michele e Joana, dispostos organicamente. Enquanto a primeira é acordada por uma voz amigável e uma música suave, a segunda acorda assustada com ratos; a primeira faz seu dejejum com frutas frescas, ao passo que a segunda rouba um espetinho de ratos; os movimentos de câmera na rotina de Michele são estáveis, com enquadramentos tradicionais; Joana é fotografada de cima pra baixo, com câmera na mão e inclinada.

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Michele e Ezequiel entram no cômodo com o pé esquerdo. Esse seria o pé adequado se o cômodo realmente estivesse inclinado, pois daria sustentação aos dois. A instabilidade do Maralto não é fruto de uma crise, mas da estrutura opressiva revestida de paraíso. “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

Outro movimento astuto da cinematografia é a troca gradual na forma como as duas são registradas: conforme Joana vai encontrando seu propósito e se sentindo pertencente à “Causa”, a câmera se nivela. Michele, que começa o episódio com seu Índice de Pertencimento ao Maralto num nível baixo, a cada investida de Ezequiel (João Miguel), vai ficando cada vez mais “inclinada” nos quadros. Se no Continente a dinâmica é constante e os personagens precisam estar sempre reagindo, o Maralto é igualmente hostil, mas estável: os habitantes da “Terra Prometida” não podem alterá-lo, apenas se adequar a ele.

O roteiro tem problemas crônicos na redação de diálogos, muitos deles melhores lidos do que falados. Para que a crítica não soe vazia, um exemplo prático: os rebeldes da Causa e a elite do Maralto, separados por um mundo de benesses, falam como iguais, inclusive com vocabulário rebuscado. Não há vícios de linguagem ou gírias no lado pobre e isso quebra a verossimilhança desta realidade. Isso é salientado por algumas discrepâncias no elenco: enquanto o elenco principal atua de forma sutil, os intérpretes dos personagens secundários parecem estar na TV aberta, usando uma dicção destoante do resto, própria de novelas.

“3%” usa um mundo especulativo para discutir a sociedade atual, usando de uma porta da conjuntura político-social brasileira para se tornar novamente tão original quanto era em 2011, mas por outros motivos. A crítica da temporada completa falará melhor disso. Por enquanto, assista a todos os episódios da série clicando aqui.

Para ler mais sobre “3%”, clique aqui.

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