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Altered Carbon 1×01 – Fuga do passado

Altered Carbon 1×01 – Fuga do passado

Gustavo Pereira - 3 de fevereiro de 2018

Esta crítica fala apenas de “Fuga do Passado”, primeiro episódio de “Altered Carbon”. A crítica da primeira temporada está aqui.

O jornalista Armando Nogueira cunhou a frase “copiar o bom é melhor que inventar o ruim”. “Fuga do Passado” faz exatamente isso. Usando a base de Blade Runner e misturando referências a ficções científicas como MatrixElysium e Ghost in the Shell, a adaptação da Netflix para “Altered Carbon”, livro de Richard Morgan, aproveita premissas testadas para pontualmente acrescentar novidades, criando um mundo tão coeso quanto intrigante.

Altered Caron Fuga do passado Out of the Past Netflix

Primeiro quadro de “Altered Carbon”: o corpo que será de Kovacs numa estrutura similar a um útero. A gestação simbolizando a ausência de vida.

Em um futuro não especificado, a tecnologia permite que qualquer um grave sua consciência em um “HD externo” chamado Cartucho Cortical. Dessa forma, a morte do corpo físico é como um hardware quebrado: o software intacto é simplesmente transferido para outro receptáculo. Mas, como toda ficção científica que se preze, o avanço da ciência só reforçou o pior da Humanidade. Ricos vivem num mundo idílico, literalmente acima dos demais, enquanto pobres se espremem numa Bay City tão sórdida quanto a Los Angeles do filme de Ridley Scott.

Altered Carbon Fuga do passado Out of the Past Netflix

O uso de plongées compara o caos do mundo dos pobres com a ordem tranquilizante do mundo dos ricos.

Takeshi Kovacs (Byron Mann e Joel Kinnaman) é o último Emissário, uma espécie de super-soldado com habilidades similares às do caçador de androides Deckard em “Blade Runner”. Perseguido por crimes cometidos numa rebelião, seu Cartucho Cortical é armazenado em Alcatraz para sempre. Até que o bilionário Laurens Bancroft (James Purefoy) o retira do limbo para investigar quem o matou e tentou destruir seu Cartucho Cortical, o que impossibilitaria um “backup” em outro corpo.

A estrutura de “Fuga do passado” é convencional para o espectador não se perder em meio a tantos conceitos incomuns. O detetive, de habilidades lendárias e há muito aposentado, é obrigado a voltar à ativa para solucionar um último caso. Contrastando com sua atuação à margem da lei, a policial obstinada Kristin Ortega (Martha Higareda) quer pegar Kovacs em alguma ilegalidade para tirá-lo de circulação da cidade que ela precisa proteger. Há até espaço para a mulher sedutora e perigosa: a esposa de Bancroft, Miriam (Kristin Lehman).

Altered Carbon Fuga do passado Out of the Past Netflix

O design de interiores na mansão Bancroft tem um pé no futuro e outro na década de 1920.

Essa volta ao “neon-noir”, ainda fresca na memória do público por Blade Runner 2049, tem como destaque positivo a direção de arte, capaz de mesclar futuro especulativo com nostalgia trash. Uma inteligência artificial concierge de hotel imita a personalidade de Edgar Allan Poe, mas é capaz de atos de brutalidade similares às de outro bigodudo, o Bill “The Butcher” Cutting de Gangues de Nova York. O palácio nas nuvens dos Brancroft mistura o máximo da tecnologia que o dinheiro pode comprar com estátuas da Dinastia Ming. A edição de som (sem ela, o som fica sem edição) redefine atos  como disparar com um revólver ou andar de carro, tornando aquela realidade ainda mais particular. A fotografia dá aos pobres a paleta azul opaca pela neblina e reserva aos ricos as cores quentes e a claridade do dia.

Altered Carbon Fuga do passado Out of the Past Netflix

O mundo ordinário dos pobres em “Altered Carbon” é azulado e opaco. Exatamente por isso, o efeito da droga ingerida por Kovacs é estimular a percepção de cores vibrantes. Este é “o barato” de quem precisa encarar esta realidade sem interrupções.

Pontos que merecem a atenção para um eventual desenvolvimento ao longo dos outros nove episódios: o papel do Estado (aqui chamado ironicamente de “Protetorado”) como uma babá dos poderosos e um carrasco dos miseráveis; o abuso de autoridade e uso desproporcional da força pela polícia; e o conflito religioso-moral de um mundo onde a morte foi superada.

“Fuga do passado” é um bom ponto de partida para uma série que precisa vencer a barreira do “mais do mesmo” e surpreender o público de um nicho historicamente exigente. A aposta é alta, mas feita com segurança.

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