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Aniquilação

Aniquilação

Matheus Fiore - 12 de março de 2018

O choque com o desconhecido não é novidade na filmografia de Alex Garland. O cineasta britânico já havia feito do encontro com o mistério um elemento definidor de personagens no ótimo “Ex Machina”. No filme de 2014, esse tipo de encontro é o grande momento de conquista de liberdade de uma inteligência artificial que quer conhecer o mundo. Em “Aniquilação”, o diretor e roteirista tira o choque do clímax e o torna a temática da obra. “Aniquilação” é um encontro com o incógnito, com o que está além do conhecimento e da compreensão humana. É uma ficção científica por sua ambientação e um terror pela percepção de seus personagens do ambiente que os cerca. E que consegue, ainda assim, falar sobre as transformações pelas quais esses personagens são expostos quando saem de suas zonas seguras.

Na trama, um “brilho” cobre parte de um parque nos Estados Unidos. Ao longo de três anos, nenhuma equipe de busca voltou de dentro do espaço, denominado Área X, que tem seu conteúdo escondido para o mundo externo. Lena (Natalie Portman) é uma bióloga que, ao lado do grupo de cientistas formado por uma psicóloga (Jennifer Jason Leigh), uma física (Tessa Thompson), uma paramédica (Gina Rodriguez) e uma geomorfologista (Tuva Novotny), entra no “brilho” com a missão de desvendar o mistério que as equipes antecessoras, formadas por militares, não conseguiram.

Alex Garland escolhe subverter o suspense e a ficção e transformar, gradualmente, a narrativa em um terror – o que é provavelmente, o maior acerto de “Aniquilação”. Ao estabelecer inúmeros mistérios, Garland faz deles não algo a ser desvendado e conquistado pelas cientistas, mas temido. A chegada da equipe feminina à região tomada pelo “brilho” não é sucedida por fascínio pelas descobertas, mas por medo. É um lugar que tem suas próprias leis naturais, o que descarta quaisquer noções de física e biologia que as moças tinham anteriormente – e, portanto, inutiliza boa parte do conhecimento que elas possuem e as deixa vulneráveis.

Para estabelecer esse tom, o trabalho do diretor de fotografia Rob Hardy (“Ex Machina”) é essencial. Desde uma profundidade de campo grande que aproveita todos os níveis da paisagem até as escolhas de iluminação, tudo existe para criar sempre variações entre dois tons: o medo diante do mistério e algo mais sublime e onírico quanto há elementos extraterrestes em tela. É comum, portanto, que haja cenas nas quais a parte frontal do plano esteja totalmente escurecida, simbolizando a ignorância que permeia a missão das personagens – bem como há uma iluminação esbranquiçada, quase asséptica, quando a obra retrata os estranhos animais que surgem no ambiente, dando uma aura fantasiosa à narrativa.

Já quando trabalha a relação de suas personagens com o mistério, o filme pouco aproveita as profissões e psiques das mulheres. A única diferença entre as moças são as diferentes percepções do desconhecido que surgem. Enquanto algumas, diante do terror, tornam-se mais engajadas em completar sua missão, outras enfrentam a perda de sanidade. A ficção científica, porém, aos poucos esvazia-se, e “Aniquilação” torna-se um filme puramente de terror e fantasia. Não há nuances suficientes para que o filme debata quaisquer temas relacionados às situações pelas quais as personagens são submetidas.

Já a ambientação é bem trabalhada e mostra o peso das influências no Cinema de Garland. A Area X, que é onde fica o “brilho”, muito lembra a zona proibida de “Stalker” (1979). Em ambos os casos, um grupo de personagens vai até um lugar misterioso em busca de respostas. No filme de Andrei Tarkovski, porém, a narrativa foca na busca do escapismo e no choque de realidade entre consciente e inconsciente dos personagens, enquanto na obra de Alex Garland, o desconhecido traz apenas mais dúvidas, em uma trama mais interessada na experiência sensorial que as cenas de terror e ação proporcionam do que em algum debate filosófico. 

Em ambos os filmes, o resultado das jornadas é satisfatório para o público, mas não para os personagens. Assim como a zona proibida de “Stalker”, a Área X de “Aniquilação” vence antes mesmo dos humanos nela adentrarem. Simplesmente pelo fato de os personagens lá entram buscando respostas baseados em suas ideias pré-concebidas de natureza, física, química e demais campos do conhecimento. O “brilho” representa a subversão do conhecimento. É o encontro com o fator novo que ressignifica tudo que aqueles personagens conhecem e acreditam.

“Aniquilação” é bem sucedido por permitir que o espectador compreenda apenas o mesmo que as personagens compreendem. A obra até proporciona explicações científicas para alguns dos eventos ocorridos dentro do “brilho”, mas este nunca foi o objetivo da trama. A narrativa trabalha suas explicações apenas como uma forma de retratar a necessidade das personagens de buscar soluções baseadas nos conceitos físicos de biológicos para questões que, obviamente, são extra-físicas e estão além do entendimento humano. “Aniquilação”, então, é uma experiência cinematográfica sensorial, que abraça a incapacidade de compreensão e valoriza os sentimentos que emergem diante do desconhecido.

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