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Benzinho

Benzinho

Matheus Fiore - 23 de agosto de 2018

Intitulado de acordo com a forma como Irene (Karine Teles) se refere a qualquer um de seus quatro filhos, Benzinho, de Gustavo Pizzi, tem em seu título tudo que o espectador vê ao longo dos 90 minutos da obra. Acompanhamos uma protagonista que, casada, responsável pelas quatro crianças e ainda encarregada de ajudar sua irmã a superar um relacionamento abusivo, não acha espaço para seus próprios sonhos. Irene vive em função de sua família, o que faz com que até o nome do filme que protagoniza seja uma referência a essa família.

Irene e sua família parecem estar sempre num processo de ebulição. Além das dificuldades financeiras – o negócio de seu marido, Klaus (Otávio Muller) não vai bem –, a irmã de Irene, Sônia (Adriana Esteves), acaba de sair de um relacionamento abusivo e está, por ora, morando em sua casa. A situação fica ainda mais confusa quando Fernando (Konstantinos Sarris), o filho mais velho, ganha uma bolsa para jogar handebol e estudar na Alemanha.

Karine Teles cria para a personagem um amálgama de sentimentos contrastantes. Mesmo precisando estar sempre sorridente para sua família, o olhar fixo utilizado por Teles permite ver que, por trás da máscara social, há uma pessoa desgastada e prestes a colapsar. Aproveitando isso, a direção de Pizzi utiliza a casa da família de forma alegórica, apresentando inúmeros defeitos na parte elétrica e no encanamento, que constantemente são remendados a fim de manter o lar “funcionando”.

Não é incoerente, portanto, que o lar de Irene constantemente apresente problemas em sua estrutura, como imensas rachaduras na parede; bem como não é incoerente que esses “ferimentos” na casa sejam negligenciados pela protagonista que, diferente do marido, que quer encontrar soluções definitivas, prefere seguir em frente sem grandes reparos. Apesar de tal relação entre personagem e ambiente ser nítida, o roteiro de Pizzi e da própria Karine Teller não demonstra interesse por trabalhar nela e muito menos no impacto do medo que norteia o olhar da protagonista para o futuro, o que resulta em um filme que, mesmo direto, não desenvolve muito além da trama principal.

Por outro lado, o valor dado aos principais eventos de Benzinho é um enorme acerto – muito por conta da montagem de Lívia Serpa, que opta por dinamizar todas as cenas do longa, o que faz com que haja a manutenção de um ritmo uniforme, sem altos e baixos; tudo ocorre de forma sintetizada. A (tardia) formatura da protagonista, por exemplo, nos permite duas reflexões interessantes: a primeira é pensar que o ponto alto da vida acadêmica de Irene sequer ocorre no clímax do filme – a cena é encaixada no meio do segundo ato –, o que sublinha o fato de a mulher por seus próprios objetivos de lado em prol de sua família; a segunda é o fato de que, por sua rotina atabalhoada, nem mesmo o fim de um ciclo tão importante representa algo além de um curto descanso, já que Irene deve, prontamente, voltar às suas atividades.

Capaz de tornar críveis as dores de todos os personagens, graças a naturalidade com que o roteiro desenvolve os diálogos, Benzinho ainda consegue criar em seu subtexto uma análise de um país mergulhado em crise financeira. Problemas econômicos norteiam as decisões de todos os personagens. Se Fernando vai para a Alemanha para construir uma carreira profissional, seu pai pensa em vender a casa de praia da família para ter dinheiro para abrir um novo negócio, enquanto a protagonista deseja, com seu diploma, conseguir um emprego formal, de carteira assinada. Além disso, comércios fechados e terrenos com placas de “vende-se” são uma constante na paisagem de fundo da obra.

O único pecado de Benzinho é manter o espectador sempre distante dos sentimentos de seus personagens. Sabemos que cada um ali tem suas dores, mas o mais próximo que chegamos desses sentimentos é ao observarmos o choro de um coadjuvante através de uma janela. Ao negligenciar seu drama, Benzinho cria um afastamento emocional entre obra e público. É, portanto, um filme com proposta e ideias interessantes, mas que, infelizmente, é tão frio quanto a Petrópolis onde se passa.

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