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Hotel Artemis

Hotel Artemis

Matheus Fiore - 3 de setembro de 2018

Hotel Artemis é um caso clássico de filme ruim com boas ideias. Cheio de conceitos interessantes, o suspense sci-fi do estreante Drew Pearce, que dirige e escreve, acompanha um hospital secreto que só atende criminosos. Localizado no centro de uma Los Angeles futurista, o lugar se vê sob perigo após a maior rebelião da história da cidade tomar conta das ruas. A Enfermeira (Jodie Foster) e seu auxiliar, Everest (Dave Bautista) precisam manter o lugar funcionando enquanto cuidam de Waikiki (Sterling K. Brown) e seu irmão ferido, Honolulu (Brian Tyree Henry), do traficante de armas Acapulco (Charlie Day), da mercenária Nice (Sofia Boutella) e do Rei Lobo (Jeff Goldblum). E qual o problema nisso tudo? Cada personagem possui sua própria jornada, o que resulta em um filme de uma hora e meia que condensa todo seu conteúdo e desperdiça o potencial de qualquer um dos arcos.

É muito triste constatar que há uma quantidade imensa de potencial desperdiçado em Hotel Artemis. Com exceção de Acapulco, todos os personagens possuem dramas interessantes e que poderiam facilmente ser a âncora principal do roteiro. Pearce escolhe dois principais, os da Enfermeira e de Waikiki. A personagem de Jodie Foster, que comanda o centro médico que dá nome à obra, tem no Artemis um porto seguro que a ajuda a manter-se longe dos traumas do passado – a trágica morte de um filho; já Waikiki chega ao local com seu irmão mais novo ferido após um assalto mal sucedido. Ambos precisam, de alguma forma, sair do Artemis. Se a Enfermeira transformou seu lar em um casulo, Waikiki tem na fuga sua chance de cortar o laço que o prende ao irmão, que sempre o coloca em problemas.

Várias coisas impedem Hotel Artemis de funcionar. As regras do centro médico, por exemplo, são desrespeitadas o tempo inteiro. Enquanto tenta estabelecer que armas, policiais e conflitos são proibidos, a obra constantemente traz esses elementos – muitas vezes sem explicação nenhuma, como quando Acapulco saca uma arma e ameaça outra personagem sem que o roteiro nunca justifique de onde veio o objeto – sem que antes haja um período para o público adaptar-se às restrições do lugar. Para piorar, quando uma regra do lugar é infringida, a gerente reage com parcimônia e desdém. Ou seja, além de as regras não serem realmente fortes, a ruptura destas não resulta em punição ou no mínimo discussão.

É nítido também que há elementos menores de Hotel Artemis que só estão lá unicamente para alavancar elementos maiores. O próprio traficante Acapulco, por exemplo, só serve para que Nice possa expor suas habilidades de assassina e explicar, tim-tim por tim-tim, qual a sua missão, o que resulta em uma enxurrada de diálogos expositivos que esfregam na cara do espectador todas as informações possíveis. Aliás, eis outro grande problema de Hotel Artemis: praticamente toda a trama é dependente de personagem “A” explicando o que fez, faz ou fará para personagem “B”, algo muito pouco cinematográfico.

Outro ponto extremamente subaproveitado é a rebelião que gera o caos em Los Angeles. Gerada pela escassez de água, a revolta inicialmente nos dá a impressão de que ou será importante no clímax da trama, ou servirá como ponte para discussões políticas dignas de uma bela ficção científica – a Enfermeira, por exemplo, afirma em dado momento: “estamos na América, 85% dos ferimentos são balas”, frase que carrega forte carga política e que nunca é transformada em uma ideia concreta. O fato é que a rebelião existe única e exclusivamente para justificar o isolamento dos personagens no local, o que, sinceramente, até funciona, mas acaba sendo mais um elemento que infla a trama por estar, o tempo inteiro, interferindo nas jornadas de cada personagem.

Um dos acertos de Hotel Artemis é o submundo do crime no qual os personagens operam. Há uma mitologia interessante, que lembra bastante o trabalho feito em John Wick, criando desde uma sociedade de criminosos até uma rede de centros médicos espalhados pelo mundo, com regras rígidas e plano de assinatura, como se fosse um plano de saúde. Aqui, porém, há um infeliz conflito na construção, já que apesar de o excesso de detalhes tornar esse universo bastante crível, a forma como os personagens quebram todas as regras do Hotel Artemis invalida essa verossimilhança e retira qualquer resquício de seriedade que poderia haver.

As motivações dos personagens, apesar de interessantes por exporem fragilidades humanas, acabam sendo atropeladas pelo roteiro. A perda de um ente querido ou a descoberta de uma informação que vira uma vida do avesso são fatos que influenciam nos personagens por poucos minutos, pois eles prontamente são jogados na ação e esquecem do que acabou de acontecer. Não há, portanto, espaço para o luto, o que faz com que não haja também espaço para que o público absorva esses dramas.

O mais impressionante de Hotel Artemis, porém, é como todos os seus problemas acorrentam o estudo de personagens proposto por Pearce. No caso da Enfermeira, a necessidade de atender seus vários pacientes faz com que, em vez de termos algum desenvolvimento mais orgânico sobre sua personalidade, ficarmos boa parte do tempo assistindo à personagem de Jodie Foster operando e aplicando sedativos aos seus pacientes.

Com Waikiki, o problema é ainda maior, já que pelo pouco tempo para desenvolver a relação entre ele seu irmão, o roteiro acaba recorrendo a diálogos que mastigam diretamente a análise proposta. Não há, portanto, sequer uma construção visual que dê alguma nuance à relação. No meio da obra, temos a impressão que Pearce abandonou completamente o estudo familiar de Waikiki e Honolulu, e passa a apostar em um interesse amoroso para o bandido: a mercenária Nice. O problema é: em um filme já inchado, criar um subplot para o personagem apenas deixa mais pontas soltas e menos espaço para aprofundar o que já foi apresentado.

O mais triste é pensar que, dentro de cada personagem específico de Hotel Artemis, há potencial para uma trama individual bem atraente. Com poucas exceções, os estranhos criminosos são interessantes por seus conceitos e se relacionam muito bem com o universo criado. Drew Pearce cria uma mitologia cativante e personagens com potencial, mas não demonstra maturidade para administrar o tempo de tela de cada um; há de se relegar, ao protagonista, o tempo necessário para que este justifique seu posto, e até nisso Pearce falha miseravelmente. Uma pena que, no fim das contas, Hotel Artemis seja apenas um filme ruim que guarda, em seu âmago, uma caixinha cheia de boas ideias.

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