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O Candidato Honesto 2

O Candidato Honesto 2

Wallace Andrioli - 26 de agosto de 2018

“O Candidato Honesto 2” é o terceiro filme protagonizado por Leandro Hassum a falar diretamente da política brasileira contemporânea, após a primeira entrada nessa franquia, de 2014, e “Até que a Sorte nos Separe 3” (2015). Em todos é possível perceber um sentimento antipolítica que se confunde com o antipetismo impregnado nos discursos de parcelas consideráveis da sociedade. No entanto, aqui o roteiro de Paulo Cursino se esforça bastante para expandir suas críticas a representantes de outras agremiações e ideologias políticas, já que o protagonista, João Ernesto (Hassum), é claramente inspirado em Lula – além da origem como líder sindical, ele começa o filme encarcerado, sendo foco de uma campanha nas redes sociais por sua liberdade bastante semelhante àquela construída em torno do mote “Lula Livre”, e as cenas de seus depoimentos à Justiça copiam as do ex-presidente a Sérgio Moro – e que Dilma Rousseff também é alvo de algumas piadas, pesadas até.

Nesse sentido, figuras como Michel Temer e Jair Bolsonaro são referidas com mordacidade em “O Candidato Honesto 2”: esse último, encarnado no personagem Pedro Rebento (Anderson Müller), principal adversário de João Ernesto nas eleições presidenciais, que caricaturalmente apela para a violência como arma de propaganda e, posteriormente, assume o comando da Câmara dos Deputados só para derrubar o presidente eleito (aqui Cursino promove um encontro entre Bolsonaro e Eduardo Cunha na mesma figura); já o primeiro, renomeado Ivan Pires (Cássio Pandolfh), é o grande vilão da trama, político experiente, inescrupuloso e, literalmente, um vampiro.

Aliás, vem dessa característica de Pires alguns dos bons momentos de comédia do filme. Suas repetidas e repentinas aparições para indicar ministros no governo de João Ernesto são engraçadas sobretudo pelas reações do protagonista a essa onipresença de seu vice e carregam um componente de crítica ao papel de Temer na política brasileira recente. Também funciona bem a referência à incongruência de certas falas de Dilma, sobretudo porque a atriz que a interpreta, Mila Ribeiro, consegue reproduzir com incrível proximidade a voz da presidenta.

Mas talvez o maior mérito de “O Candidato Honesto 2” seja se dedicar, na maior parte do tempo, a desenvolver uma narrativa minimamente coesa, sem interrupções frequentes para a entrada em cena de gags com personagens e situações do mundo contemporâneo. Essas pequenas esquetes estão bem menos presentes aqui que no primeiro “O Candidato Honesto” – a exceção mais gritante, e irritante, é a brincadeira com o visual de Donald Trump, momento deslocado da diegese de “O Candidato Honesto 2”. De resto, quando aposta em referências mais orgânicas (“Cabo do Medo”, logo no início, justificando a mudança no visual do protagonista, “O Grande Ditador”, quando de sua posse no governo do país) ou mesmo em piadas autorreferentes (a relativamente longa cena na sala de cinema particular do presidente), o filme se sai bem, e o arco de João Ernesto é construído de forma que quase todas suas decisões soem verossímeis.

O que não significa, claro, que “O Candidato Honesto 2” passe em branco no quesito piadas ruins. Elas existem e pipocam por toda a história, a começar por uma insistente envolvendo estupro na cadeia. Algumas com tom um pouco mais próximo do cinema dos irmãos Farrelly, como a da primeira aparição do personagem de Paulinho Serra e as protagonizadas pela esposa de João Ernesto, também não funcionam. Mas o maior demérito do filme de Santucci é mesmo político, já que, apesar de se propor a uma crítica mais ampla, compreendendo as mazelas do poder no Brasil para além de um antipetismo tacanho, ele não consegue fazer mais que repetir o velho discurso de senso comum que criminaliza a prática política. Nesse sentido, “O Candidato Honesto 2” se coloca próximo das obras audiovisuais que têm a Operação Lava Jato como tema, o filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” (2017), de Marcelo Antunez (curiosamente, diretor de “Até que a Sorte nos Separe 3”) e a série “O Mecanismo” (2018), de José Padilha.

É interessante, de toda forma, observar como no corpo de filmes que constituem a chamada “globochanchada” começa a surgir um cinema em alguma medida político. Frequentemente criticados por sua herança televisiva e humor rasteiro, esses filmes, como as chanchadas dos anos 1940 e 1950, refletem, a seu próprio modo, com certa ingenuidade e incapacidade de produzir análises complexas, sobre questões do presente do país. Talvez seja, no fim das contas, justamente esse atrelamento do gênero a um senso comum sobretudo de classe média (principal frequentadora das salas de cinema brasileiras) que garanta seu contínuo sucesso.

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