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O Motorista de Taxi

O Motorista de Taxi

Matheus Fiore - 2 de janeiro de 2018

O ano é 1980, a Coréia do Sul vive um intenso conflito civil em algumas cidades, conflitos estes que são maquiados pelo governo, que tenta de todo modo disfarçar e enganar a população dos principais centros. O jornalista alemão Peter (Thomas Kretschmann) desembarca no país a procura de imagens para mostrar ao mundo o que se passa na cidade de Gwangju. Paralelamente, um taxista viúvo, Kim (Song Kang-ho), precisa de uma alta quantia em dinheiro para quitar o aluguel de sua casa. Enquanto almoça com um colega, o taxista ouve sobre um estrangeiro em busca de um guia, disposto a pagar a exata quantia do valor do aluguel. Juntos, então, o taxista e o jornalista embarcam rumo ao interior em busca de imagens da guerra civil.

O Motorista de Taxi é um filme interessante desde o estabelecimento das jornadas de seus personagens. Mesmo que desde o princípio a obra deixe claro o tom bélico que existe na Coréia do Sul da década de 80, jogando imediatamente o espectador para o lado do Jornalista (e usarei caixa alta pois, na obra, Peter é um símbolo perfeito do ideal que guia qualquer jornalista de respeito), o foco da narrativa é total no taxista e em sua lenta passagem de reacionário alienado para alguém ciente do óbvio: o país vive uma ditadura. 

Acompanhando a lenta transição que ocorre na mentalidade do taxista, O Motorista de Taxi faz uso de uma bem-vinda variação de gêneros. A obra, quando situada na capital Seoul, mantém uma pegada mais leve, imprimindo humor em quase todas as passagens, o que retrata a leveza com que o taxista leva sua rotina. Aos poucos, quando a dupla protagonista embarca na viagem para Gwangju, onde ocorre o conflito, o longa tem uma brusca mudança de tom, tornando-se uma mistura de drama de guerra com documentário – e aqui, o uso de imagens que emulam filmagens jornalísticas é imprescindível para imprimir seriedade à narrativa.

A estética visual também é trabalhada. Se em Seoul, há um predomínio do azul, cor que garante a tranquilidade do ambiente, quando a narrativa se desloca para Gwangju, há uma investida em tons desbotados, que tornam a fotografia mais empoeirada, como é o ambiente de destruição que fora tomado pela guerra. Lá, acompanhamos a lenta transformação do taxista enquanto conhecemos as figuras protagonistas do conflito.

Outro fator de importância metafórica é a cor dos taxis. Os taxistas de Gwangju são tratados como heróis, por auxiliarem no transporte e na fuga dos moradores da região. Coerente com a realidade ou não, o fato destes veículos possuírem a cor verde, que representa justamente a esperança, é um elemento importante para simbolizar a aura de renovação de forças que é trazida pelos motoristas quando estes aparecem para auxiliar os moradores locais.

Kim, o taxista, não escolhe ser o herói desta história – o que é um acerto do roteiro. A tarefa de auxiliar as vítimas da opressão governamental surge de forma espontânea, tornando sua ascensão ao heroísmo um processo natural, existindo não graças a um chamado, mas por ser parte de um processo obrigatório de quem passa, aos poucos, a ter ciência do que ocorre por trás da cortina de fumaça imposta pela ditadura.

Ao final do filme, pouco importa o quão fiel à verdadeira história do taxista e do jornalista O Motorista de Taxi é. A obra de Hun Jang é eficiente por mostrar que a defesa da liberdade e a busca pela democracia não dependem de um chamado, mas apenas da consciência de que há injustiça. Seus protagonistas, então, não são pessoas treinadas e determinadas a mudar o mundo, mas seres humanos motivados pelo ímpeto de ver o próximo em apuros e querer mudar a situação.

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