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O cinema de Roberto Farias

O cinema de Roberto Farias

Wallace Andrioli - 31 de maio de 2018

Roberto Farias carregava em sua trajetória boa parte da história do cinema brasileiro na segunda metade do século XX. Inclusive alguns de seus paradoxos. Começou dirigindo chanchadas (“Rico Ri à Toa”, “No Mundo da Lua”, “Um Candango na Belacap”), resultado de sua experiência anterior como assistente de direção (e outros cargos) na Atlântida, passou ao cinema policial de cunho social (“Cidade Ameaçada”, “Assalto ao Trem Pagador”), flertou com o Cinema Novo (“Selva Trágica”), lançou uma das sementes das comédias com verve sexual (“Toda Donzela Tem um Pai que é uma Fera”) que desembocariam nas famigeradas pornochanchadas, promoveu o encontro entre o cinema moderno e o maior astro da música brasileira (na trilogia formada por “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” e “Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora”), experimentou o documentário (“O Fabuloso Fittipaldi”), chegou ao filme político e ao enfrentamento com a censura (“Pra Frente, Brasil”), se reencontrou com a comédia popular (“Os Trapalhões no Auto da Compadecida”).

Uma filmografia eclética, mas coerente no que era, provavelmente, o propósito maior de Farias: a comunicação direta com o público, sem subterfúgios, sem “charadas”, como dizia o próprio. Não à toa, fez carreira paralela, a partir da década de 1980 (houve anteriormente breve passagem, nos anos 1960), na TV, dirigindo minisséries e programas de sucesso, entre eles, “Você Decide”, que tinha a peculiaridade de ter o final de suas tramas decidido pelo… público.

Farias foi também presidente da Embrafilme durante o governo Geisel. Contribuiu ativamente para a era áurea da empresa e do cinema brasileiro, no quesito ocupação de mercado. Os meados dos anos 1970, época de ascensão do blockbuster americano (“O Exorcista”, “Tubarão”, “Star Wars”), foi, no Brasil, também a época de êxitos comerciais estrondosos como “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, “A Dama do Lotação”. Funcionário nomeado por um governo autoritário, Farias atuou fortemente em prol do fortalecimento de um cinema comercial brasileiro, que deveria ganhar escala industrial. Encarnou em si as contradições de uma geração de cineastas de esquerda (ou simpáticos a ela) que toparam se aproximar dos militares no poder. Com o imperfeito, mas urgente, “Pra Frente, Brasil” tentou expurgar essas contradições, mas acabou por realçá-las, tornando-as ainda mais instigantes.

Morto aos 86 anos, apenas alguns dias após a partida de outro grande, Nelson Pereira dos Santos, Farias deixa um legado respeitável como cineasta, produtor e policy maker. E, sobretudo, uma obra fílmica que merece ser mais revisitada, discutida, analisada. Como contribuição nesse sentido, deixo abaixo aqueles que considero seus cinco melhores filmes:

5) Cidade Ameaçada (1960)

A primeira experiência fora das chanchadas, o filme que levou Farias a Cannes e mostrou o potencial dramático de seu irmão, Reginaldo. Ótimo policial que consegue refletir, talvez ainda primariamente, sobre os efeitos da desigualdade social.

4) Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968)

Um filme moderno. Um musical metalinguístico inspirado em Help!, dos Beatles, com doses de James Bond. Uma experiência meio maluca, ousada, mas politicamente conformada. Lançado em 1968, ajuda a desvelar um lado menos engajado da juventude brasileira de então.

3) Pra Frente, Brasil (1982)

O filme-emblema da Abertura e de seus limites. A denúncia política explosiva ainda que atenuada, enquadrada num formato de thriller à lá Costa-Gavras. Mas, como o próprio Farias fazia questão de lembrar, filmada sob o próprio regime denunciado, correndo todos os riscos de perseguição que o diretor grego não corria.

2) Selva Trágica (1964)

O flerte fracassado comercialmente, mas artisticamente bem-sucedido, com o Cinema Novo. Um filme forte, seco, duro como a realidade de seus personagens.

1) Assalto ao Trem Pagador (1962)

O ápice do cinema policial socialmente orientado. O diagnóstico do Rio de Janeiro como cidade partida, concretizado no duelo entre os geniais Eliezer Gomes e Reginaldo Faria. A ação filmada com esmero absurdo. A fotografia em preto e branco impecável de Amleto Daissé. Grande Otelo, bêbado e inconsolável, dizendo que “quando morre uma criança na favela, todo mundo devia cantar, é menos um pra se criar nessa miséria”.

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