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Silenciados

Silenciados

Wallace Andrioli - 12 de fevereiro de 2018

Como “Reparação”, documentário anterior de Daniel Moreno, a minissérie “Silenciados” serve a uma causa. O diretor, que assume publicamente posições políticas de direita, fez, no primeiro, um filme sobre a ditadura militar brasileira com o principal objetivo de atacar as organizações armadas que se opuseram a ela. Moreno mirou no que considera um dos alicerces da esquerda brasileira atual, a memória da luta contra o autoritarismo nas décadas de 1960 e 1970, para tentar derrubá-lo por meio da revelação tanto das ligações de tais organizações com os regimes cubano e soviético quanto de atos de violência cometidos por elas que deixaram marcas indeléveis em cidadãos comuns – caso de Orlando Lovecchio, atingido por uma bomba plantada pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) no consulado norte-americano, em 1968.

A proposta de “Silenciados” é semelhante: Moreno escolhe um alvo caro às esquerdas, nesse caso, o debate sobre direitos humanos em meio aos problemas do Brasil na área de segurança pública, e parte para o ataque. A arma utilizada aqui é um conjunto de depoimentos de familiares de vítimas da violência urbana, sobretudo pais de jovens assassinados por menores de idade em assaltos. O diretor troca a opção feita em “Reparação”, de equilibrar as falas das vítimas da luta armada com as de especialistas no assunto (o historiador Marco Antônio Villa, o sociólogo Demétrio Magnoli, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-secretário de cultura do governo Collor, Ipojuca Pontes), pelo predomínio absoluto da voz de gente comum. Só dois especialistas, advogados que representam posições opostas na discussão sobre a redução da maioridade penal, compõem o painel de entrevistados de “Silenciados”, e, ainda assim, sua entrada em cena demora para acontecer.

A questão que Moreno tem nas mãos poderia resultar num produto discursivamente sofisticado, multifacetado. Mas não é exatamente isso que ele quer fazer. Protegendo-se no argumento de que representantes da maioria das organizações contrárias à redução da maioridade penal não aceitaram ser entrevistados, como se não fosse possível (necessário até, considerando a complexidade do tema) tensionar de outras formas as falas consensuais, o diretor finca os pés na ideia de que os direitos humanos passam a mão na cabeça de criminosos, enquanto direciona a dor, em si comovente, de seus depoentes para a confirmação dessa ideia. Em mais de um momento de “Silenciados”, Moreno joga a isca para os parentes enlutados, bastante fragilizados, criticarem aqueles que supostamente impedem que menores infratores sejam punidos pela lei. Trata-se de sensacionalismo do mais baixo nível.

O que se confirma, de forma quase caricatural, nas opções estéticas do diretor. Deixando de lado a relativa sobriedade de “Reparação”, ele aposta em elementos que costumam compor seções mais dramáticas dos piores programas da TV brasileira: às tradicionais talking heads são adicionados temas musicais emocionalmente expressivos (acordes chorosos nas cenas mais dolorosas, triunfantes nos momentos em que Moreno se imagina encurralando os opositores de sua tese, o que não chega a ocorrer realmente), a repetição de falas que precisam ser enfatizadas e mesmo algumas reconstituições. Não fosse tão longa (são quatro episódios de quase uma hora cada), “Silenciados” poderia se passar por um quadro do “Brasil Urgente”, da Band, dada sua abordagem simplista e reativa de uma questão delicada, ou do “Fala Que Eu te Escuto”, da Record, pelo uso primário do audiovisual para gerar algo extremamente apelativo.

Mas, justiça seja feita, Moreno ao menos não se esconde politicamente, marcando diferença, nesse sentido, de Marcelo Antunez (“Polícia Federal – A Lei é Para Todos”) e Rodrigo Bittencourt (“Real – O Plano Por Trás da História”), que insistem em negar a presença da política nos seus filmes claramente antipetistas. O que eles têm em comum, por outro lado: são, todos, bem ruins, “Silenciados” ainda pior que “Real” e “Polícia Federal”, que funcionam moderadamente como thrillers. Há algo de assustador no fato de que, no fim das contas, o representante mais esmerado esteticamente dessa leva audiovisual brasileira de direita é o documentário “O Jardim das Aflições”, de Josias Teófilo, sobre a figura escabrosa de Olavo de Carvalho.

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