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The Cloverfield Paradox

The Cloverfield Paradox

Matheus Fiore - 5 de fevereiro de 2018

“Cloverfield” (2008) e “Rua Cloverfield, 10” (2016) são dois filmes bem sucedidos. Tanto comercialmente (ambos custaram menos de vinte milhões de dólares e arrecadaram mais de cem milhões), quanto pelo sucesso de crítica e público, a dupla fez bom uso do marketing para conquistar a atenção do espectador, com lançamentos inesperados e muito mistério em suas divulgações. Pegando o público totalmente desprevenido, a Netflix anuncia e, poucas horas depois, disponibiliza, a terceira parte da saga: “The Cloverfield Paradox”. Assim como seus antecessores, a terceira parte da série Cloverfield caprichou no marketing, escolhendo justamente o dia do Super Bowl para promover seu lançamento.

Mas o marketing não garante nada, se não a audiência. E quando o mais importante entra em jogo – isto é, o filme -, “The Cloverfield Paradox” é um fracasso. A trama, que visa conectar o universo criado pelas obras anteriores, acompanha um grupo de cientistas em uma nave espacial que trabalha para criar uma energia limpa e que abasteça todo o planeta. Um acidente ocorre, e os tripulantes se vêem perdidos em uma dimensão distante.

Apesar de nada original, o primeiro terço de “The Cloverfield Paradox” não é ruim. Somos introduzidos rapidamente aos membros da equipe da nave Cloverfield, com destaque para a protagonista Hamilton (Gugu Mbatha-Raw), que tem uma cena em seu passado para justificar sua participação no projeto espacial. Após os primeiros sinais de que há algo errado acontecendo, “Paradox” parece fazer como o recente “Vida” e emular o que deu certo no clássico “Alien, O Oitavo Passageiro”, de Ridley Scott. Porém, as referências param cedo.

Confusões de múltiplas dimensões, personagens com motivações misteriosas, seres alienígenas assustadores… Tudo surge como uma possibilidade após o primeiro gatilho do roteiro. O que se vê adiante, porém, é uma trama extremamente convencional e perdida em suas pretensões. Ao ponto de dar a impressão de estarmos acompanhando um subplot, enquanto o plot principal se perde em alguma dimensão paralela. Os únicos personagens com alguma nuance são rapidamente eliminados, e ficamos com um elenco que se limita a seguir um modelo de diálogos digno das mais pedestres séries de televisão, onde um personagem explicita o problema e outro, “genialmente”, a solução.

É difícil definir “sobre o que é” o filme. Não há uma linha narrativa clara. O objetivo é simplesmente justificar os dois filmes anteriores – o que é feito, mas que poderia ser resolvido em um curta-metragem de cinco minutos sem maiores problemas. “Paradox” tenta até usar seus personagens de variadas nacionalidades para versar sobre conflitos políticos e até brincar com o iminente medo de um conflito nuclear, algo latente na “Era Trump”. Nada disso é aprofundado. “The Cloverfield Paradox” é um filme remendado de referências. A forma como seus tripulantes se sentem e interagem com os entes queridos localizados na Terra, por exemplo, remete a “Interestelar”, de Christopher Nolan. Mas não há fibra que amarre as referências e torne a obra um filme conciso e decidido. Não há intenção.

No tom, problemas também são uma constante. A trilha sonora pesada não só entrega as cenas assustadoras, como as próprias são sabotadas também pelo elenco. O personagem de Chris O’Dowd, por exemplo, precisa engatar uma piada sempre que algo ruim acontece com seus colegas de missão. Inclusive, quando alguma coisa surge e envolve o próprio personagem, nem ele demonstra sentir algo. Não há peso dramático em “Paradox”. Personagens surgem e desaparecem (ou morrem), e nunca fazem falta. Tanto por não terem nenhum aprofundamento que faça com que o público se importe com eles – pelo contrário, desde o começo sabemos que alguns estão fadados a serem mortes tolas -, quanto pela forma insípida com que suas conclusões são filmadas.

“The Cloverfield Paradox” não possui direcionamento estético. A nave onde os personagens vivem, por exemplo, parece uma versão genérica da base dos Power Rangers (!), não passando em momento algum a sensação de estarmos em um complexo espacial, mas sim em um espaço com três ou quatro cenários e uma tela verde para uma cena ou outra. O uso de planos muito fechados e de uma fotografia escurecida ainda fortalecem a sensação – a intenção claramente é criar uma atmosfera claustrofóbica, mas em nenhum momento os outros elementos diegéticos corroboram essa escolha e não há ritmo que permita que sintamos o enclausuramento do elenco.  Enquanto isso, a câmera de Onah é assustadoramente burocrática, alternando apenas entre planos médios e close-ups, imprimindo uma linguagem arcaica e inferior inclusive ao que vemos em muitas séries de televisão da atualidade. O cineasta ainda utiliza ângulos diagonais sem qualquer função que acrescente algo à sua narrativa, tornando o recurso apenas uma tentativa de dizer “olha, há alguém dirigindo este filme”.

Os realizadores parecem não fazer ideia do que almejam com essa obra. “The Cloverfield Paradox” é um filme tecnicamente limitado, esteticamente pobre, narrativamente indeciso e dramaticamente vazio. Não há trama suficiente para que o público se engaje ou aprofundamento suficiente para que os personagens importem. É, no fim das contas, mais uma obra genérica e fadada ao esquecimento, que surpreendentemente escalou dois bons atores como Gugu Mbatha-Raw e Daniel Brühl, mas que pouco puderam fazer diante do pobre material que a eles foi concedido. Nem o potencial filosófico de trabalhar com realidades paralelas é trabalhado. Em “Paradox”, tudo é aleatório e existe apenas para mover a trama até os três segundos finais – vide o braço “escritor”, que aparece e desaparece como um impulso -, os únicos realmente relevantes da obra. É, parece que o universo Cloverfield está precisando de um descanso (ou uma aposentadoria).

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