Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Lion: Uma Jornada Para Casa

Lion: Uma Jornada Para Casa

Matheus Fiore - 16 de fevereiro de 2017

Após se perder de sua família com apenas cinco anos, Saroo perambula pelas ruas da Índia tentando reencontra-los. Não tendo sucesso, acaba adotado por uma família australiana. Décadas depois, o rapaz volta a procurar por sua família. Protagonizado por Dev Patel e sob o marketing da poderosa Weinstein Company, que já distribuiu os “Oscarizados” O ArtistaO Discurso do ReiLion: Uma Jornada Para Casa é a aposta da vez dos irmãos Weinstein para levar o principal prêmio da indústria americana.

Com 118 minutos de metragem, Lion se divide em duas partes. Na primeira, conhecemos a infância de Saroo. Desde a situação de sua família, que beira a miséria, até o momento que o menino se perde de seu irmão, Guddu. A direção de Garth Davis acerta em não forçar o drama nas feições do jovem ator que interpreta o protagonista. O peso da situação é construído através de planos médios e abertos que ressaltam a impotência e pequenez do personagem diante da situação em que se encontra.

Outro acerto da obra é construir planos que conduzem o olhar do espectador até os olhos do pequeno Saroo, seja usando a iluminação para sombrear o restante de seu rosto ou até criando quadros que, por sua simetria, conduzem naturalmente a vista aos globos do personagem, quase sempre no ponto de destaque do enquadramento (no canto superior direito, mais próximo ao centro). Também eficiente é a inserção do protagonista em planos muito cheios, com grande quantidade de elementos em todas as profundidades, que destacam não só a pequenez do menino, mas sua situação sufocante. Coroando a bela construção da tensa situação, há ainda um uso de câmera na mão, com um desnível que torna o quadro muito tremido, retratando a confusão do momento que assistimos.

As situações nas quais o jovem Saroo é colocado são exploradas com sutileza pela obra, sem nunca forçar a emoção de seu espectador. O peso está sempre na sugestão, como na cena em que a criança foge para não ser explorada por um casal. Em certos momentos, a história chega a lembrar a do filme Vitimas da Tormenta, de Vittorio De Sica, clássico do cinema italiano, exibindo outras crianças em situações de miséria e desesperança semelhantes à do protagonista. Infelizmente, o medo de tornar o filme uma obra apelativa acaba tornando sua primeira metade menos intensa do que poderia. Por outro lado, a lindíssima trilha sonora, conduzida por um piano, dá um tom de descoberta à nova vida de Saroo, que conhece um novo mundo sob as asas de seus novos pais.

Na segunda parte do filme, a obra tem uma sequência de tropeços que enfraquecem o resultado final. Nenhuma das relações do Saroo de Dev Patel são bem desenvolvidas e os saltos entre momentos felizes e dramáticos é brusco demais. O relacionamento do indiano com Lucy (Rooney Mara) talvez seja o único que funciona, por ter mais tempo de tela que os demais para compreendermos a dinâmica do casal. Fica, no entanto, a sensação de que a personagem é apenas uma ferramenta do roteiro para avançar a narrativa, já que Lucy não possui nenhuma individualidade (o que é uma pena, já que Rooney Mara é uma atriz talentosíssima e reduzi-la à uma engrenagem para o funcionamento do script é uma escolha bem pobre).

O relacionamento mais problemático é o de Dev com seu irmão adotivo, Mantosh. Desde os primeiros momentos, fica claro que Mantosh possui muitos traumas e possíveis distúrbios mentais, que levam a um relacionamento conturbado com seus pais e irmão. Saroo, no entanto, em momento algum demonstra sentir empatia, sempre julgando suas atitudes, e o roteiro em nenhum momento destaca que o problema não é Mantosh, e sim a incapacidade do protagonista de superar seu passado. Todas as subtramas que possuem os problemas de Mantosh como centro, aliás, ficam mal desenvolvidas por o mesmo não ter seu próprio arco narrativo desenvolvido.

A forma como o passado passa a assombrar Saroo também é um dos acertos de Lion, A montagem insere memórias de sua infância de uma forma que faz com que o espectador entenda como se o personagem estivesse observando sua história. Quando Saroo está trabalhando em casa, por exemplo, olha para o lado e vê a figura de seu irmão Guddu, que não encontra há décadas, sentado na bancada de sua casa, ressaltando o vazio existente em sua vida graças ao desconhecimento do paradeiro de sua família biológica. Também importante é a trilha, que usa temas levemente desconexos para destacar a distância entre a mente do protagonista e sua presença física. O rapaz não consegue esquecer seu passado, o que resulta em uma constante perturbação mental e solidão, mesmo quando acompanhado por sua namorada e família adotiva.

O resultado do vazio na vida de Saroo também é perceptível ao observarmos que estas inserções de delírios do personagem são não só cada vez mais constantes, mas cada vez mais profundas. Inicialmente, o protagonista apenas relembra situações da infância, mas aos poucos, vê seu irmão assombrando-o em suas situações cotidianas, interagindo com o presente, demonstrando a crescente necessidade de descobrir onde está e o que está fazendo Guddu, a fim de tentar ajudá-lo (sua família biológica vivia em situação de extrema pobreza). Além dos delírios, sonhos e lembranças bem colocados também preenchem o dia-a-dia de Saroo.

Mesmo demorando para ter seu arco desenvolvido, o protagonista em sua fase adulta é muito bem interpretado por Dev Patel. O ator é feliz não só em demonstrar enorme culpa e tristeza em seu tom de voz carregado, choroso, mas também em demonstrar a perda de tranquilidade crescente em sua vida, também bem demonstrada nos cabelos do personagem, cada vez mais bagunçados, sinalizando uma falta de cuidado com sua própria pessoa que reflete a culpa por não ter ajudado sua mãe e irmão biológicos.

Em seus momentos derradeiros, para criar uma belíssima rima visual com a primeira metade, o filme faz uso de uma fotografia de coloração amarelada e cobre o personagem com sombras, conectando o momento de busca por sua família do personagem adulto com a busca por rumo dele quando criança. Lion: Uma Jornada Para Casa pode parecer mais um “Oscar Bait” (termo que expliquei no começo deste texto), mas traz uma emocionante história real, com grandes valores cinematográficos, mesmo tendo seus tropeços narrativos que impedem que a trama seja mais profunda do que deveria. Uma obra que honra sua história e seu personagem e é capaz de emocionar o público.

Topo ▲