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Love – 2ª temporada

Love – 2ª temporada

Gustavo Pereira - 13 de março de 2017

Quando escrevi para a primeira temporada de Love não fiz uma crítica, mas uma resenha sobre como a série explorava conceitos de Amor Líquido, livro do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Com uma linguagem despretensiosa e um formato próximo das sitcons de televisão, Love aborda os relacionamentos contemporâneos de forma surpreendentemente profunda. A segunda temporada tinha a responsabilidade de se ater à proposta, mas podia colocar tudo a perder já no começo, dependendo da forma como resolvesse a tensão deixada no fim da primeira.

Felizmente, desde a escolha acertada de continuar exatamente de onde parou, Love reitera que é uma série sobre relacionamentos e não um conto de fadas. As pessoas são problemáticas e carentes, mas não são burras. Mickey (Gillian Jacobs) está falando para Gus (Paul Rust) que quer ficar um ano sem se envolver com ninguém e ele lhe dá um beijo. Isso não a faz mudar de ideia – não reclame de spoiler, essa é a primeiríssima coisa que acontece na temporada.

Este plano 3/4, com a câmera num ângulo de 45 graus em relação aos atores, é quase subjetivo, como se o espectador estivesse passando e visse o casal na mesa ao lado

O tamanho enxuto de 30 minutos por episódio é muito bem aproveitado pelos roteiros, que colocam os personagens em tarefas pontuais do cotidiano, responsáveis por dar a cada um mais camadas de complexidade e desenvolver a história central. Mickey e Gus podem ficar juntos, afinal de contas?

É possível assistir às duas temporadas de Love como um movimento pendular. Se a primeira desconstruiu Mickey, essa é a temporada em que Gus tem as suas fraquezas expostas. O mais agradável da série é como as mudanças são sofridas. Por mais que os dois gostem um do outro e queiram estar juntos, é difícil abandonar velhas manias que tornam o relacionamento difícil. É no esforço que está a beleza. Quando ele faz uma “autocrítica” a respeito do flerte em pubs, não poderia estar mais equivocado na análise. Ninguém se torna perfeito do dia pra noite porque quer ser.

“Vintage e novo”, como toda segunda tentativa

A forma como Gus lida com os vícios de Mickey faz a série andar. Mas, diferente da maioria das produções deste gênero, ela não é uma mulher fraca incapaz de dizer não ou tão maravilhada com os esforços de um homem para ignorar suas falhas. Nem mesmo é um exemplo de conduta. Se Gus não é perfeito, Mickey definitivamente também não.

Ainda é difícil comprar a ideia do alcoolismo de Mickey, talvez o grande erro da série. Vícios só são percebidos como tal quando provocam perdas e sofrimento. Mickey nunca sofreu por beber e usar drogas recreativas. Parece que o criador Judd Apatow não confiou que o público compraria a ideia de uma viciada em relacionamentos e quis colocar um vício “de verdade” para as pessoas notarem o comportamento de um adito. Uma pena, pois a codependência emocional é muito crível e o vício em bebida, não.

Outra decisão inspirada de fotografia: todos os casais do jantar são enquadrados juntos, como se fossem um único personagem na cabeça de Mickey

Mas ela própria sempre está sozinha nos planos

Positivamente, Love desenvolve os personagens secundários. Bertie (Claudia O’Doherty) é quase uma co-protagonista e seu relacionamento com Randy (Mike Mitchell) é tão interessante quanto o de Mickey e Gus. Arya, a atriz mimada da série ridícula onde Gus trabalha como professor particular, ganha uma carga dramática com a história do divórcio dos pais e de como ela é responsável por sustentar a família.

Esse é um tema – ainda bem – recorrente em Love: mulheres que precisam ser fortes para não serem engolidas por homens inseguros. Greg (Brett Gelman) é o arquétipo do macho autocentrado ferido, que se considera irresistível para todas as mulheres e transforma uma negativa em uma campanha de difamação contra quem “ousou” não se atirar aos seus pés. O pai de Mickey (que aparece num clássico episódio filler) é um fracassado que precisa diminuir a filha para se sentir melhor enquanto pessoa. O próprio Gus, que tenta genuinamente melhorar como pessoa, usa os defeitos de Mickey para ignorar os próprios problemas.

Nesta jornada de descoberta, compreensão e tolerância, a segunda temporada de Love termina um arco de forma estruturalmente perfeita. Mas já está confirmada uma terceira. Se House of Cards poderia terminar na segunda temporada e aqui estou eu, ansioso pela quinta, darei este crédito à Netflix. Ela fez por merecer.

Meu quadro favorito da temporada: um Cristo sorridente exibindo suas chagas. O sofrimento não é necessariamente algo ruim, desde que saibamos fazer algo de positivo com ele. Detalhe para o amassado do carro de Gus

Assista a todos os episódios de Love clicando aqui.

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