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Na Mira do Atirador

Na Mira do Atirador

Matheus Fiore - 21 de agosto de 2017

Guerra ao Terror, Sniper Americano, Rede de Mentiras Soldado Anônimo são só alguns dos exemplares de filmes inspirados em um dos conflitos mais estúpidos da história recente da humanidade: a Guerra do Iraque. Diferente das obras citadas, Na Mira do Atirador, novo filme de Doug Liman (Identidade Bourne Jumper), pega uma grande situação e dela extrai um evento microscópico. O resultado é um enxuto exercício de tensão e drama, que aos poucos revela uma narrativa irônica com críticas políticas interessantes, mesmo que superficiais. Os oitenta minutos de metragem de Na Mira do Atirador centram-se em um conflito de três personagens. Os dois primeiros são a dupla composta pelo spotter (localizador que utiliza um escopo para auxiliar o atirador) Allen Isaac (Aaron Taylor-Johnsson) e pelo sniper Shane Matthews (John Cena). Ambos observam um quarteirão iraquiano à procura de um possível atirador inimigo. Eventualmente, os americanos acabam se tornando reféns de um sniper iraquiano.

Utilizando câmeras subjetivas que inserem o espectador no ponto de vista do spotter, Liman consegue construir a geografia dos cenários de forma competente. Enquanto acompanhamos o trabalho de Isaac ao escanear o território, passamos a conhecer todos os pontos por onde a ação ocorrerá, o que posteriormente é essencial para que saibamos o quão encurralados estão os americanos, na mira do atirador iraquiano. Construindo um clima realista e denso, a ausência de trilha sonora é importante para manter a pegada cru proposta pelo filme. Em compensação pela ausência de música, o constante som de vento e areia (principalmente durante a tempestade) funcionam para marcar o crescimento da tensão, bem como a presença do som da hélice de um helicóptero faz mais próximo ao fim do segundo ato, quando o filme naturalmente chega em um momento mais crítico de sua história.

Quando o protagonista, Isaac, se vê preso atrás de um muro, entra em cena, então, a guerra mental travada entre ele e seu inimigo, Juba. Por meio das conversas de rádio, o americano tenta obter o máximo de informações possíveis sobre o inimigo a fim de tentar fugir ou atirar. Já o vilão, no controle da situação, demonstra sempre serenidade e apenas brinca com o estrangeiro, tentando encontrar fragilidades emocionais para desestabilizar Isaac. Notamos aqui uma tentativa de Dwain Worrell, o roteirista, de incitar debates políticos interessantes acerca da guerra do Iraque. O local onde o conflito ocorre, por exemplo, é dito se tratar de uma antiga escola, totalmente destruída graças à invasão americana. Se por um lado é interessante mostrar como a invasão americana destruiu a escola (futuro) do país, é triste que tal relação existe simplesmente por diálogos. Muito mais interessante seria se o longa mostrasse que o muro é uma antiga escola, ao invés de nos falar isso. Apesar do apego ao texto, o filme ainda utiliza Juba e os outros iraquianos de forma inteligente, dizendo que, antes de serem “snipers profissionais”, exerciam profissões comuns, como professores e vendedores, ressaltando a mensagem de que os “monstros” da guerra foram criados pela própria invasão do governo Bush.

O roteiro também tem seus deslizes, porém. Demonstrando não ter conteúdo suficiente para entregar um longa-metragem, a obra estabelece uma narrativa in media res, isto é, começa a projeção já no meio da história. A intenção é, posteriormente, explicar todo o passado dos personagens a fim de tentar dar alguma profundidade às suas vidas que não só é desinteressante sob o contexto político do confronto como também parece mais uma ferramenta para prolongar a trama do que qualquer outra coisa. Mesmo assim, Na Mira do Atirador continua trazendo detalhes interessantes, mesmo que subaproveitados. A escolha de começar o filme sob o ponto de vista da mira do sniper americano e fechar sob a mira iraquiana, por exemplo, demonstra-se uma interessante rima visual e a sugestão de inversão de torcida por parte do espectador.

Em sua segunda metade, Na Mira do Atirador transforma-se num longa sobre ciclos destrutivos e criação de monstros. Se a América é responsável pela ascensão do Daesh no Oriente Médio, esta obra de Doug Liman é uma das que retrata, mesmo que de maneira superficial e simples, como foi criado o cenário propício para a o surgimento das células terroristas que, dez anos depois, são uma das principais ameaças à paz mundial. Com escolhas narrativas interessantes mas uma história excessivamente rasa, o filme encontra no aprofundamento de seus personagens seu calcanhar de Aquiles, já que nem consegue fazer o público sentir empatia, nem consegue extrair de seus atores algum sentimento se não ódio ou ironia. Ainda assim, uma experiência interessante.

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