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O Lagosta

O Lagosta

Matheus Fiore - 12 de janeiro de 2017

Distopias estão na moda. Desde o sucesso de filmes como os da franquia Jogos VorazesMaze Runner e a abjeta Divergente, vemos cada vez mais obras utilizando realidades caricatas para criticar situações políticas e sociais contemporâneas. Aliás, o melhor uso recente de uma distopia para criticar nosso mundo está longe dos cinemas, na série Black Mirror. Em O Lagosta, do grego Yorgos Lanthimos, acompanhamos uma realidade onde todos os cidadãos são obrigados a estar em um relacionamento, e para isso, há um hotel cujos hóspedes têm 45 dias para encontrar um companheiro, caso contrário, serão transformados em um animal de sua escolha (!).

O protagonista é David (que, como o título sugere, escolhe uma lagosta), um homem de meia-idade que acaba de ser abandonado por sua esposa. De forma pouco expositiva, acompanhamos sua trajetória no hotel para, por ela, entendermos melhor as pequenas nuances desse curioso lugar. O filme utiliza um controlado humor negro para criticar a forma como a sociedade contemporânea pressiona seus indivíduos a estar dentro dos padrões a fim de ter aceitação social. Talvez o maior acerto da obra seja a forma orgânica como constrói seu universo sem necessidade de grandes explicações. Tudo é inteligentemente inserido sem que haja necessidade de explicações didáticas.

Pequenos elementos dão muita riqueza ao universo apresentado, como a existência de uma resistência de “solteiros” que vive na floresta ao redor do hotel. Antes vistos apenas como alvos dos hóspedes (que devem caça-los com armas tranquilizantes para obter mais dias no hotel), mais tarde são explorados e têm suas próprias qualidades e defeitos expostos ao interagir com David. É interessante notar que mesmo que façam diferentes escolhas, tanto os hóspedes quanto os moradores da floresta possuem defeitos parecidos, servindo como uma crítica à movimentos “anti-sistema” do século XXI. No fim das contas, são dois lados da mesma moeda.

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Os dois elementos mais interessantes de O Lagosta são o reducionismo utilizado para definir seus personagens e as atuações responsáveis pela construção destes. Frequentemente conhecemos personagens notórios por ínfimos atributos físicos, e é muito simbólico que estes busquem sempre alguém com os mesmos defeitos. Mais interessante ainda é notar como alguns indivíduos se submetem à constante autoflagelo para igualar alguma característica de um potencial parceiro, com o único intuito de parecer ser o par ideal para tal pessoa. As atuações, deliberadamente desprovidas de emoção ou qualquer nuance, são perfeitas na construção de um mundo privado de sentimentos e individualismos.

Mas é na direção e na fotografia que encontramos os maiores responsáveis pela frieza do mundo distópico de O Lagosta. Potencializando as robóticas atuações, há as cores frias e os enquadramentos que constantemente jogam personagens para os cantos dos planos e sempre deixam a câmera distante de todas as pessoas presentes na cena deixa o espectador distante do mundo apresentado. Praticamente todos os diálogos do longa são construídos por planos médios e conjuntos, nunca usando close-ups e raramente usando primeiros planos. Estes últimos, inclusive, só passam a ser utilizados quando David passa a se rebelar contra o sistema e tenta trilhar seu próprio caminho.

Apesar de ter enorme importância na narrativa por ser imprescindível na mensagem passada pelo filme, a mudança de ambientação presente na segunda metade da obra traz uma forte quebra de ritmo, que é recuperada mais à frente pela aproximação de David da personagem de Rachel Weisz. Mesmo assim, há memoráveis momentos, como quando, pela primeira vez, vemos personagens demonstrando alguma paixão, justamente quando ouvem uma dupla tocar uma emotiva e forte música em seus violões. Há de se destacar em O Lagosta a trilha sonora, baseada em densos e simples arranjos de corda, trazidos de obras já existentes e dignos de um bom terror psicológico, que se repetem e são essenciais para o tom asséptico da narrativa, já que estão muito presentes justamente nos momentos que poderiam trazer alguma vivência para o longa.

Como toda boa distopia, a obra pode aparentar, mas não está tão distante da nossa sociedade. Afirmando que mesmo os insatisfeitos com suas realidades se sujeitam à ela em busca de aceitação, o filme é incômodo por sua frieza, mas extremamente competente pela clareza de sua mensagem. Os momentos de humor negro amenizam o peso da análise trazida, mas mais do que leves risadas, estabelecem um desconforto que proporciona justamente o que Yorgos Lanthimos quer com O Lagosta: fazer o público pensar. Fazer-nos refletir e rever como nos comportamos e nos aceitamos.

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