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Colheita Amarga

Colheita Amarga

Matheus Fiore - 1 de junho de 2018

O “Holodomor” é um dos eventos mais complexos da trajetória russa. O suposto genocídio causado pela fome, planejado por Josef Stalin, é um caso difícil de opinar, visto que, apesar de ser aceito como um fato incontestável por muitos, há pela internet inúmeras evidências e estudos que discutem os acontecimentos do período. “Colheita Amarga”, filme do alemão George Mendeluk, reconstrói o acontecimento considerando a versão ucraniana como verdade absoluta, mas, infelizmente, com péssimas escolhas narrativas, torna-se uma obra apelativa e superficial.

Antes de qualquer problema técnico – e, acredite, há muitos -, Colheita Amarga” tem problemas em sua proposta. O primeiro é a forma como os elementos do filme constroem os heróis e vilões. Mesmo que a vilania de Stalin e de seus agentes seja uma escolha válida, é vergonhoso que a obra dedique toda sua metragem a construir nos russos uma aura vilanesca tão superficial. Maniqueísmo é a palavra de ordem. Todos os ucranianos serão retratados como seres humanos perfeitos, enquanto os russos sempre serão demônios encarnados. Claro, o ideal não seria o contrário, mas sim a busca por alguma reflexão que vá além de definir mocinhos e vilões. Apontar quem são os monstros é fácil; o que falta a “Colheita Amarga” é uma capacidade de refletir sobre o fato e dele tirar alguma ideia mais aprofundada.

O segundo problema talvez seja ainda mais grave. Apesar de o Holodomor ser parte da contextualização da obra, a narrativa não segue o confronto, mas sim o amor entre o protagonista, Yuri (Max Irons) e Natalka (Samantha Barks), algo semelhante ao que é feito de forma genial pelo mestre David Lean em “Doutor Jivago” (poderia apostar que Mendeluk sequer conhece a obra de Lean). O problema é a forma como esse amor é construído. Não há sequer uma cena que justifique a paixão entre Yuri e Natalka. Chega a ser vexatório como o filme repete elementos ao longo da trama: os personagens se encontram, encostam suas testas uma na outra, tocam seus rostos e dizem o quanto se amam. Não há, porém, qualquer personalidade ou atitude que justifique esse amor, que soa extremamente artificial.

Na fotografia, “Colheita Amarga” tem seu único ponto forte: a mudança no uso da luz e das cores conforme o vilarejo do protagonista é dominado pelos homens de Stalin. No começo, quando os personagens viviam um tempo de paz, havia não só uma saturação das cores, como também o uso de uma luz dourada que tornava o ambiente visualmente confortável. Já quando os conflitos e a fome chegam ao lugar, o cinza passa a ser a cor dominante, deixando claro como há um processo de perda de vida inerente à dominação soviética.

Por outro lado, a câmera dificilmente encontra o ângulo certo para filmar as cenas, o que resulta em uma constante inversão de pontos de vista, provocando cenas que mudam sua perspectiva de forma excessiva. Piora ainda mais o fato de a câmera, diversas vezes, quebrar a regra dos 180 graus, o que causa estranheza visual e compromete a compreensão da cena. A montagem também é um problema sério, já que em diversas vezes há o corte entre planos antes que a ação ou diálogo esteja concluído, o que torna o filme trincado, mal encaixado.

“Colheita Amarga” é um desastre cinematográfico. É um fracasso tanto em sua forma quanto em suas pretensões políticas – não é coincidência que a obra tenha sido lançada justamente no ano do centenário da Revolução Russa, e sim uma tentativa frustrada de fazer um contraponto -, confiando todo o peso dramático em um romance que nunca é construído se não por declarações de amor tão vazias quanto um balão. Pouco sobra para se elogiar numa obra que está mais preocupada em fazer proselitismo político – há um forte teor reacionário e ultranacionalista na narrativa – do que em construir uma história que faça sentido, tenha impacto e possa causar empatia.

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