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Demolidor – 3ª temporada

Demolidor – 3ª temporada

A saga de Matt Murdock tem os personagens mais críveis do Universo Cinematográfico Marvel

Gustavo Pereira - 22 de outubro de 2018

“Demolidor” não ignora seus arcos anteriores. Diferentemente de muitas das grandes produções atuais, nas quais personagens andam em círculos revivendo os mesmo dramas, a série da Marvel/Netflix anda pra frente. Essa é a principal razão para a sua terceira temporada ser a melhor até aqui: os personagens são consequências naturais das decisões tomadas ao longo das temporadas anteriores (e de suas aparições nas outras franquias deste universo compartilhado). É perceptível que algo está, de fato, acontecendo.

Demolidor terceira temporada 3 Netflix Marvel

Matt Murdock: sua vida virou um “inferno”, mas a penitência é cumprida numa referência à Cruz de São Pedro

O grande tema debatido destes 13 episódios é a aceitação da verdadeira natureza. Exatamente por isso, a maior ameaça da temporada é Wilson Fisk. Enquanto Matt Murdock está em crise com Deus, Foggy Nelson com a família e Karen Page com o passado, o “Rei do Crime” já abraçou sua verdadeira natureza lá atrás, na primeira temporada. O vilão interpretado brilhantemente por Vincent D’Onofrio é mau. Não uma maldade genérica e sem propósito, mas uma que se justifica, sob os valores de Fisk, pela forma cruel com que o mundo o tratou quando ele quis se encaixar. Dessa forma, não há remorso algum quando ele manipula, chantageia e manda matar – quando não mata com as próprias mãos – seus inimigos. Ele quer o poder absoluto como uma forma de compensação por tudo o que ele sofreu quando quis ser uma figura “respeitável”. O que não veio por bem virá por mal.

“Cinco passos atrás” (uma das poucas vezes em que uma expressão usada pelos mocinhos faz sentido), os opositores de Fisk precisam combatê-lo ao mesmo tempo em que travam uma luta interna. Murdock (o também excelente Charlie Cox) começa sua nova jornada quebrado, física e mentalmente – destaques as soluções encontradas pelo design de som e pela fotografia para retratar as deficiências no herói. Após os eventos de “Os Defensores”, Matt volta dos mortos quase como Lázaro (que foi ressuscitado pelo próprio Jesus Cristo), mas se vê como Jó (que, mesmo sendo um servo fiel, foi entregue a Satanás pelo próprio Deus). Essa crise de valores o fecha para o mundo, e lhe deixa com apenas um objetivo: matar Wilson Fisk.

Demolidor terceira temporada 3 Netflix Marvel

Como “Demolidor” é uma série calcada na coerência narrativa, uma frase dita de forma quase displicente pelo Justiceiro (Jon Bernthal) na segunda temporada ecoa agora. “Você está a um dia ruim de se tornar o que eu sou”. O “dia ruim” de Matt foi quando a destruição de Midland Circle levou Elektra – aparentemente – para sempre. Esvaziado de propósito, ele está fraco como nunca antes havia sido retratado. Isso fica evidente no confronto não apenas contra Fisk, mas também contra Ben Poindexter (Wilson Bethel), que pavimenta o seu caminho para se tornar o Mercenário de forma similar à do Charada de “Gotham”. Um vilão também construído em… um dia ruim. Mas mais preparado, forte e decidido que Murdock. Alguém realmente capaz de anular os pontos fortes do herói e transformá-lo em carne moída quando se encontram.

As intenções do roteiro são ilustradas por elementos de linguagem precisos nas funções que desempenham. Quando Matt está surdo do ouvido direito, a direção opta por um plano em primeira pessoa (substituindo o “olhar” do personagem pelo olhar da câmera), com o som do lado direito saindo abafado, quase inaudível – e a imagem como um borrão indistinguível, uma maneira prática de demonstrar a sua “nova cegueira”. Quando ele está alucinando, a pessoa com quem ele “conversa” aparece fora de foco no fundo do quadro, simbolizando o quanto ela – e a mensagem que transmite – assombra Murdock, como um fantasma. Ele e os demais personagens, como o agente do FBI Ray Nadeem (Jay Ali), estão constantemente se deparando com situações desestabilizadoras: isso é marcado por giros de 360 graus com a câmera, em que tudo fora do centro focal vira um borrão, desestabilizando o espectador junto com o personagem. O ponto alto deste processo é a grande set piece da temporada: um plano-sequência com quase 11 minutos, com mudanças de ritmo, ambientes, iluminação e personagens em destaque.

Demolidor terceira temporada 3 Netflix Marvel

Exemplo de linguagem não-verbal em “Demolidor”: foreshadowing feito apenas pelo uso de cores

Já Fisk é um vilão amedrontador, de forma que ele sempre é filmado de cima pra baixo, ou com o olhar de seus interlocutores o registrando de baixo pra cima, algo que o torna maior e mais opressivo na tela. Os movimentos de câmera envolvendo Fisk também são mais formais e enxutos, quase elegantes. O personagem está sempre associado à música clássica (Chopin, Bach e Beethoven), o que lhe confere absoluta serenidade, a despeito das atrocidades cometidas por ele (algo também reforçado pelo figurino, com o icônico terno branco dos quadrinhos sempre imaculado, um sinal da alegada “pureza” de Fisk).

É também necessário enaltecer a atuação de D’Onofrio. O veterano da Broadway torna as flutuações de humor de Fisk verossímeis e assustadoras. Os silêncios carregados de ódio, os olhares vazios de sentimento enquanto assiste a um assassinato encomendado por ele, os ataques de verdadeira brutalidade quando algo não sai de acordo com seus planos… para, numa cena despretensiosamente brilhante, preparar uma omelete para Vanessa (Ayelet Zurer) e, totalmente desamparado pelo desinteresse da mulher amada, perguntar se ela gostaria de “mais sal”. O homem capaz de ameaçar meio FBI está à mercê de uma mulher e isso é crível.

Demolidor terceira temporada 3 Netflix Marvel

Ao evoluir sua narrativa ao longo das temporadas, sem ignorar o passado, “Demolidor” convence como uma das melhores produções do MCU. Algo que desafia o público e o recompensa exatamente com aquilo que ele deseja, das formas mais inesperadas possíveis.

Você pode assistir a todos os episódios de “Demolidor” clicando aqui. Mais conteúdo relacionado à Marvel aqui.

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