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Djon África

Djon África

Redação - 7 de junho de 2018
Por Arthur Salles

É interessante notar a escolha deste “Djon África” como filme de abertura do 7º Olhar de Cinema. Suas ideias aparentam formar uma amálgama das proposições do Festival para este ano (vista a Retrospectiva Mambéty – Rouch, por exemplo), ao abarcar distinções e conflitos étnicos, apropriação cultural, o diálogo entre ancestralidade e contemporaneidade e a própria proposta de ser um novíssimo representante do cinema vérité.

A estreia em longa-metragem da dupla de diretores João Miller Guerra e Filipa Reis transcorre de forma inversa às pontuações formais de seus filmes anteriores. “Djon África”, ainda que em boa parte de sua duração total flerte, aqui e ali, com a docuficção, serve-se em muito de sua narrativa linear e do desmembramento da “verdade encenada” a fim de contar uma simples história, cujo percurso define-se como própria finalidade.

A partir de seu único fio narrativo, o olhar sobre o jovem nascido e criado em Portugal, de pai cabo-verdiano, o filme constrói uma série de situações já típicas do subgênero road movie, conferindo estranheza e familiaridade ao imaginário do espectador. A descoberta pessoal dá-se de forma dúbia, tanto pelas ações do protagonista como pela condução dos diretores. Na tentativa de assimilar-se a um berço cultural – o qual lhe é negado pelos (legalmente) habitantes e naturais de Cabo Verde –, Miguel/Djon despe-se aos poucos de seus costumes europeus, tomando como principal objetivo ao longo de sua viagem a própria transformação (a despeito da busca pelo pai, pontapé inicial do longa).

De tal forma, ao prosseguimento de sua trama “Djon África” preza pelas experiências em parcimônia do jovem Miguel, sem propor urgência a seu propósito inicial. O olhar sobre o malandro da periferia de Lisboa permite ao público o contato natural à medida em que toma forma seus planos de viajar ao continente africano, sem pintá-lo como um pobre coitado ou desgarrado de afeto. Miguel Moreira, ator que empresta (talvez mais que) seu nome ao personagem, sustenta a si mesmo, por meio do carisma e espontaneidade, como compasso natural desta jornada.

A alternância entre distanciamento e aproximação, tanto visual quanto narrativa, convém com a indefinição e potencialidade da manutenção ou quebra do ciclo que Guerra e Reis evidenciam passo a passo na perseguição de Djon por seu pai. Diversos são os momentos registrados pela câmera em que o deslocado jovem, atravessado pelas paisagens cabo-verdianas, parece cismar com sua missão, para logo após entregar-se ao frenesi e ao gozo de suas experiências em meio aos costumes locais.

Sem contar com desmedidas intervenções pelo caminho, a narrativa de “Djon África” perpassa seus bem definidos atos repetitivamente, confiando ao protagonista seu avanço intermediado pelos conhecimentos ou histórias locais de cada habitante disposto a ajudá-lo. Tal artifício acaba por prejudicar vários pequenos blocos narrativos ágeis, construídos sobre a interação de Miguel com a exploração daquele novo universo – muitas vezes realizada por situações cômicas –, contrariando seu desenvolvimento e novas afeições.

A convencionalidade assumida ao decorrer de seus noventas minutos contradiz alguns sensos propostos, de início, pelo próprio filme, exaurindo a carga particular do contexto colocado em análise conforme universaliza os dramas e anseios de Miguel. Apesar disso, “Djon África” mantém-se regular e próximo de quem o assiste, o que pode garantir futuras maturações aos diretores em fusões e desconstruções estilísticas, dada sua acalorada recepção.


Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival Olhar de Cinema de 2018.
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