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Missão: Impossível – Efeito Fallout

Missão: Impossível – Efeito Fallout

Obra resgata melhores ideias da saga e executa todas com maestria

Matheus Fiore - 24 de julho de 2018

Vinte e dois anos se passaram desde que o Missão: Impossível de Brian De Palma foi lançado. De lá para cá, muita coisa aconteceu com a série. Em 2000, apesar da coragem de John Woo para implementar sua peculiar estética em Missão: Impossível 2 , a continuação não foi bem recebida, e coube a J.J. Abrams, seis anos depois, recolocar a franquia nos trilhos, com Missão: Impossível 3, o capítulo menos ambicioso mas mais consistente até então. A recompensa, porém, veio depois, com os episódios 4 e 5, que conseguiram transformar a saga de Ethan Hunt em um belo exemplar de blockbusters de ação. Nada, porém, chega aos pés do que Christopher McQuarrie (que também dirigiu o quinto filme) alcança com o sexto capítulo: Missão: Impossível – Efeito Fallout.

Fallout é uma continuação sólida, mas ao mesmo tempo é um resgate e um amálgama de ideias. McQuarrie tenta trazer de volta a politicagem e a espionagem, elementos fortes no filme de 1996. Tais elementos estão presentes tanto pelas temáticas – aqui, o descontentamento com um sistema falido é o mote dos anárquicos vilões – quanto pela estrutura, que repete de forma referencial algumas soluções do primeiro capítulo da saga.

Isso não quer dizer, porém, que a ação tem menos capricho. Na verdade, acontece o contrário. Fallout consegue, mesmo resgatando uma trama de intrigas políticas e espionagem, trazer alguns dos melhores momentos de ação não só da saga, mas do cinema americano recente. Podemos listar diversas sequências de ação que funcionam e encantam por diversos motivos.

A já conhecida briga no banheiro, presente no trailer, é fantástica por, além de ser filmada de forma exemplar, garantindo que o espectador sempre compreenda perfeitamente o que ocorre no ambiente – e isso só é possível pela escolha de ângulos de McQuarrie e seu diretor de fotografia, Rob Hardy –, também ser uma belíssima introdução para as diferentes formas de trabalhar de Hunt e Walker (Henry Cavill), agentes da MIF e da CIA que devem se unir para encontrar o misterioso vilão, John Lark. Enquanto o protagonista sempre pensa em saídas inteligentes para dar continuidade à missão, improvisando sem desperdiçar recursos, seu novo parceiro improvisa na base da brutalidade, o que muitas vezes compromete os objetivos.

Outro momento de destaque é a perseguição em Paris, que provavelmente é a mais longa cena de ação da saga. Ali, McQuarrie e Hardy nos mostram as ruas de Paris de forma inventiva, conseguindo compor planos que mostram, na parte frontal, as empolgantes perseguições, e no fundo, pontos turísticos notórios da cidade, como o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel. Nesse trecho, é impressionante o trabalho de edição som do filme, que, ao valorizar os ruídos oriundos dos veículos (pneus derrapando e motores são praticamente personagens desse segmento), permite que o espectador se sinta rente ao chão das pistas, sempre próximo à ação.

É gratificante perceber como cada cena de ação de Efeito Fallout é tratada como uma peça independente. O mínimo de computação gráfica é utilizado, sendo apenas um recurso para acabamento dos set pieces. Como resultado, a obra testa os limites físicos tanto de Tom Cruise quanto de sua persona, Ethan Hunt, além de também imergir seu espectador numa sufocante e narrativamente verossímil experiência. Se Hunt pilotará um helicóptero, isso não será feito com uso de dublês ou imagens digitais, e sim pelo registro visual do próprio Tom Cruise guiando o helicóptero.

É impressionante ainda que, mesmo tendo um punhado de sequências de ação fantásticas, Efeito Fallout ainda consiga encontrar espaço para dar continuidade ao processo de humanização de Ethan Hunt, que foi iniciado no filme anterior. Em Nação Fantasma, Ethan é, primeiramente, mitificado – o personagem chega a ser referenciado como “manifestação da natureza” e tem suas missões tratadas como lendas –, para depois ter suas fragilidades projetadas. Mas também vemos, de certo modo, a desconstrução (e, posteriormente, reafirmação) desse mito, algo imprescindível para manter uma aproximação entre herói e público – afinal, qual a graça de torcer por um ser intocável e infalível? – e para tornar o clímax ainda mais edificante para Hunt.

Se Hunt se notabilizou por ser o agente capaz de tudo para alcançar seu objetivo, algo que viveu para provar ao longo dos cinco filmes anteriores, aqui sua humanidade é posta a prova em momentos-chave que exigem não apenas um salto impossível ou uma fuga improvável, mas decisões que colocam em jogo a vida de pessoas queridas e milhões de inocentes. Nesse ponto, Hunt e Lane, o principal vilão, são contrapontos interessantíssimos, já que o antagonista tem como ideologia máxima a ideia de “sacrificar milhões pelo bem do mundo”.

Missão: Impossível – Efeito Fallout, logicamente, usa e abusa do invejável preparo físico de Tom Cruise, mas mostra também a fragilidade do agente secreto vivido por ele. Na primeira vez que Cruise sai mancando de uma cena, a maioria saberá que é em virtude do acidente ocorrido durante as filmagens. Na segunda, porém, nada mais é se não uma forma de mostrar a vulnerabilidade física do desmitificado protagonista.

Aliás, outro grande acerto de Efeito Fallout é encontrar, também, uma vulnerabilidade emocional para seu herói. Não só pelo medo de perder pessoas queridas ou por sua ex-esposa em risco, mas também por demonstrar sempre preocupação em preservar as vidas dos civis que acabam surgindo no caminho das missões – há uma cena em que Ethan salva uma policial, a qual é essencial para preservar a humanidade do personagem e ainda demonstrar como seus princípios sempre estarão acima de sua missão.

Nas cenas em que Hunt se lesiona, porém, há a reafirmação do mito em torno do herói. Na segunda vez que o personagem sai mancando, McQuarrie opta por não cortar e mostrar o agente seguindo com a missão. Ethan, portanto, se machuca, levanta e segue em busca de seu objetivo. Como foi dito em Nação Secreta, o agente da Mission Impossible Force age como a manifestação da força da natureza. Nada melhor para reafirmar isso do que mostrar que, mesmo vulnerável física e emocionalmente, o personagem não está disposto a desistir.

Há dois detalhes que permitem que Fallout seja um filme espetacular, e não são sua ação milimetricamente planejada e executada ou as já esperadas reviravoltas e trapaças do mundo da espionagem, mas dois fatores específicos: a capacidade de valorizar o universo por meio da auto-referência e o fato de o filme aceitar-se como um blockbuster e não se levar tão a sério.

Este é o primeiro dos seis filmes da saga que repete um vilão, por exemplo, o que empurra Missão: Impossível para mais perto da série 007. O universo de James Bond traz, em quase de capítulos da saga, a organização criminosa Spectre como mente pensante por trás dos vilões; o universo de Ethan Hunt agora tem o Sindicato como uma célula terrorista de aparição constante, o que implica em tramas que exigem menos tempo apresentando novos personagens e, portanto, aproveitando melhor os que já estão estabelecidos.

Em relação à valorização do universo, o fato de utilizar passagens recorrentes da série de forma que sejam alicerces da narrativa também é uma boa escolha. As clássicas cenas nas quais Hunt e sua equipe utilizam disfarces para trapacear um inimigo aqui não são apenas referência, mas elemento crucial para o desenvolvimento da história. Elas introduzem o tom, referenciam o passado da franquia e fazem a trama dar um passo adiante.

Já a comédia é importante por surgir em doses homeopáticas. Sempre que Efeito Fallout estiver a um passo de cruzar a linha que separa sua narrativa de uma obra mais séria e sombria, haverá alguma inserção cômica que imediatamente trará o filme de volta para os trilhos. Com isso, há um controle de tom invejável por parte de Christopher McQuarrie, que honra o histórico da série enquanto flutua entre a ação, o drama e o suspense de forma invejável.

Se a saga de Ethan Hunt terminasse hoje, Missão: Impossível – Efeito Fallout seria uma conclusão magistral. Um amálgama de tudo o que há de melhor na série de seis longas-metragens. O filme de Christopher McQuarrie tem sequências de ação impressionantes, personagens cativantes e é capaz de, em meio a memoráveis perseguições e tiroteios, nos lembrar da humanidade de seu protagonista e do ator que a ele dá vida. E esse é o grande diferencial da franquia Missão: Impossível: Tom Cruise e Ethan Hunt são ator e agente de carne e osso, capazes de feitos inacreditáveis para alcançar seus objetivos, mas sem nunca rejeitar sua própria humanidade.

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