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3ª MSDC – Navios de Terra, Da Curva Pra Cá; Plano Controle

3ª MSDC – Navios de Terra, Da Curva Pra Cá; Plano Controle

Comentários sobre os filmes vistos na quarta (6/11), durante a 3ª Mostra Sesc de Cinema

Matheus Fiore - 7 de novembro de 2019

No quarto dia de nossa cobertura para a 3ª Mostra Sesc de Cinema, não assistimos a documentários, nem animações, nem obras da mostra infantojuvenil. Os três filmes comentados abaixo são ficcionais, com propostas estéticas e ideológicas bastante distintas, mesmo que tragam todos uma mesma visão pessimista para o Brasil atual. O resultado, porém, só é narrativamente positivo para um deles.

Para ir para a página principal da cobertura, clique aqui.

“Navios de Terra”, de Simone Cortezão – ★★

O media-metragem de Simone Cortezão acompanha a história de um marinheiro que parte do Brasil para a China em busca de algo novo em sua vida. Antes de essa viagem acontecer, o roteiro do filme nos introduz ao universo apresentado de forma curiosa. Mesmo que seja um filme inteiramente dedicado a imagens e acontecimentos mundanos, há certa mitologia por trás de tudo, há algo de espiritual nas ideias que norteiam a narrativa de Cortezão. A introdução é feita por uma narração que apresenta a origem do mundo de forma digna a um conto mitológico, recheada de metáforas e alegorias.

Partindo do forte mercado de exportação que há no Brasil, “Navios de Terra” utiliza a característica exportadora do Brasil como ponte para falar sobre destruição de paisagens e danos ambientais. Tragédias como a de Brumadinho, por exemplo, são referenciadas diretamente. O objetivo de Cortezão, porém, parece ser utilizar essas características mercadológicas e culturais do Brasil atual para criar um cenário no qual as montanhas deixam de existir ao serem transportadas para fora do país e mostrar o efeito disso na relação dos personagens com o mundo onde vivem.

O protagonista, por exemplo, reconhece a relação histórica de sua família com os lugares onde viveu, mas parece estar sempre em busca de um ambiente onde possa sentir-se confortável. Essa busca torna-se o mote que o leva a cruzar o oceano para ir à China. Apesar de essas ideias serem potencializadas por um roteiro que destaca o poder da tradição oral e do mito – afinal, tudo que dá base a esse mundo cinematográfico e ao histórico dos personagens parte de contos mitológicas e familiares contadas há anos, décadas e séculos –, “Navios de Terra” parece crer estar alcançando uma catarse que inexiste.

O filme se torna, em dado momento, monótono, frio e repetitivo, não conseguindo enlarguecer seus temas e nem criar alguma conexão mais forte entre seu protagonista e sua busca pelas montanhas. Como resultado, “Navios de Terra” até entretem por essa valorização de mitos e narrativas que serve de alicerce da trama, mas jamais explora o potencial de sua história ou dá conteúdo suficiente para que tracemos análises mais complexas e aprofundadas sobre a imagem projetada.

“Da Curva Pra Cá”, de João Oliveira – ★★

É curioso especular sobre o que pretende João Oliveira com seu filme. Na trama, um jovem trabalhador que mora em uma favela chega em casa após um dia cansativo e, no caminho para casa, encontra com amigos, figuras conhecidas de seu dia-a-dia, e tem uma conversa sobre a situação da família com sua mãe. O rapaz senta no sofá da sala, começa a assistir à televisão e pega no sono. Ao acordar, se vê sozinho no mundo, já que todos os seres humanos desapareceram.

Ao apresentar o protagonista ao acontecimento sobrenatural, “Da Curva Pra Cá” limita-se a fazer experimentos estéticos de terror que apenas criam uma atmosfera sombria enquanto o personagem tenta encontrar alguma alma viva na região. Ao fim, a tentativa parece estéril, e o único ponto agradável de “Da Curva Pra Cá” acaba sendo os trinta segundos de “Oldboy” que o protagonista assiste na televisão momentos antes de dormir.

“Plano Controle”, de Juliana Antunes – ★★★★

Após o impeachment de Dilma Rousseff, Marcela decide deixar o Brasil. A fuga, porém, não se dá em um contexto comum. “Plano Controle” se passa em um mundo alternativo, no qual viagens no tempo e teletransporte são possíveis. Após Michel Temer assumir o governo em 2016, Marcela contrata um serviço de teletransporte com sua operadora, visando ir morar em Nova York.

Há, porém, uma falha no sistema da operadora, e Marcela fica presa em diferentes momentos e lugares do país, sem jamais chegar aos Estados Unidos. É clara a ideia de Juliana Antunes de que o Brasil, pós-impeachment de Dilma, se tornou uma verdadeira prisão, na qual a população está à mercê dos responsáveis pelo golpe que assumiram o governo.

O interessante é que, graças a um problema da operadora, Marcela é transportada para o Brasil dos anos 90, pós-ditadura militar e prestes a entrar no seu auge econômico e social, durante o governo Lula. A diretora apresenta, portanto, de forma irônica e melancólica a viagem no tempo, que é no filme a única forma de escapar da tragédia que se tornou o país e seu cenário político na segunda metade da atual década.

Também é irônico o fato de os únicos momentos nos quais Marcela consegue sentir algum alívio e se divertir são nos quais ela está sem sinal de telefone, como se a alienação voluntária, o desligamento dos noticiários e do mundo atual, fossem a única escapatória para o país criado após a posse de Michel Temer. Não deixa de ser triste, porém, perceber como, durante a viagem de Marcela, quando a protagonista encontra-se com um rapaz dos anos 70, ver como ela tem uma perspectiva praticamente oposta a dele. Se o rapaz dos anos 70 vê o futuro com empolgação, por causa da volta da democracia, do crescimento social e econômico e dos demais acontecimentos dos anos 90 e 2000, a moça, que já passou por tudo isso, só consegue lamentar ter visto tudo ter ido pelo ralo tão rapidamente.

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