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A Invenção do Outro é um filme de méritos que saltam aos olhos. A começar por sua longa duração, resultante do entendimento do diretor Bruno Jorge de que, ao filmar uma expedição da Funai no Vale do Javari para reunir indígenas da etnia Koburo separados por disputas violentas na região, mais importante que informar é experienciar o cuidado com que os indigenistas, liderados por Bruno Pereira, estabelecem contatos, adentram a floresta e fazem seu trabalho. O tempo alongado do documentário não é, claro, idêntico ao da missão registrada, mas se refere a ele, se organiza a partir de um esforço por reproduzi-lo a partir de mecanismos do cinema. Nesse sentido, A Invenção do Outro é muito bem sucedido, já que a paciência necessária e os desafios da região amazônica surgem impressos nas imagens, quase palpáveis.
O filme também impressiona por como filma a floresta e seus habitantes, mantendo um mistério evocativo dos riscos existentes naqueles espaços sem deslizar para o exotismo e se aproximando dos Koburo sempre considerando as distâncias existentes. A câmera de Bruno Jorge olha atentamente para tudo, numa tensão inevitável entre reconhecimento e estranhamento, fundamental para um registro justo dos indígenas, nunca idealizados ou integrados a uma visão humanista genérica. Seus hábitos estão na tela, intactos, respeitados, mesmo quando potencialmente incômodos para parcelas de uma plateia branca progressista (a caça, os relatos de relações sexuais/conjugais e de lutas violentas contra outros povos).
É a preservação dessa tensão que possibilita a sequência mais poderosa de A Invenção do Outro, aquela do reencontro almejado. Já no início dela, Bruno Pereira pede que Bruno Jorge mantenha a câmera baixa, para evitar qualquer entendimento de ameaça por parte dos Koburo isolados. A câmera como arma potencial, iniciadora de uma contenda, mas que vai, pela postura adequada do diretor, pouco a pouco ganhando liberdade na cena e se transformando em instrumento de registro de um momento emocionante tanto num aspecto mais universalista (irmãos se reencontrando após vários anos) quanto em outro diretamente conectado à realidade específica dos Koburo (toda a violência e riscos que marcam a região do Vale do Javari e a vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil como um todo, a força monumental do trabalho realizado por Bruno Pereira).
O único detalhe incômodo do filme é a opção do diretor por, em alguns poucos momentos, usar um slow motion embelezador, para reforçar a dramaticidade do que está sendo mostrado por meio da plasticidade – distante, portanto, da relação mais direta com os espaços e gentes predominante. Esse gesto cosmético, à lá Sebastião Salgado, destoa brutalmente em estilo e tom do restante de A Invenção do Outro, o que torna sua existência injustificável, ainda que quase irrelevante diante do efeito geral de encantamento produzido pelo filme.