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O Artista do Desastre

O Artista do Desastre

Matheus Fiore - 17 de outubro de 2017

“The Room” (2003) é daqueles filmes que são tão ruins que “dão a volta”. O nível de amadorismo e inaptidão dos envolvidos na produção da obra é tão impactante que, lá pela metade da projeção, os defeitos deixam de incomodar e tornam-se engraçados. O longa de Tommy Wiseau, então, sofreu uma mutação, transformou-se em um filme cultuado justamente por seu humor involuntário. Uma década e meia depois, James Franco decide “homenagear” “The Room” e produz, dirige e protagoniza “O Artista do Desastre”, obra que reconta a origem da parceria de Wiseau com Greg Sestero e toda a trajetória de pré-produção até o lançamento do filme. Ou melhor: do pior filme de todos os tempos – como a sinopse oficial diz.

James Franco decide fazer de Greg (vivido por seu irmão, Dave Franco) o centro da trama por boa parte da projeção. O protagonista é Tommy, mas a narrativa desenha-se ao redor da relação dele com Greg. Com isso, o diretor consegue que tenhamos um ponto de vista externo, mas próximo às ideias de Tommy. Como resultado, é possível vermos o quão ridículas são suas escolhas e comportamento, o que permite que a carga humorística do filme esteja presente em cada minuto de James Franco em tela – algo que seria difícil se a obra mantivesse apenas o ponto de vista de Tommy. Mesmo assim, “O Artista do Desastre” nunca humilha Wiseau, trazendo sempre alguma passagem introspectiva do personagem que nos ajude a ver a faceta mais frágil do cineasta/ator.

A alternância de pontos de vista é constante, e permite que a obra também tenha nuances dramáticas. A cada nova cena que desenvolve a personalidade de Tommy, vemos que, por trás da estranha e misteriosa figura, há um ser humano frágil, inseguro, buscando aceitação principalmente por meio de sua relação com Greg. James Franco possibilita o funcionamento de tais nuances por meio de uma atuação que emula com perfeição os trejeitos de Wiseau, ao passo que consegue, ora exceder o ridículo e proporcionar momentos hilários e caricatos – como quando um produtor imprime tensão ao dizer que Wiseau não será bem sucedido nem em um milhão de anos, para, em seguida, o protagonista perguntar “e depois disso?” -, ora soar introspectivo, utilizando a força de seu olhar para sugerir sua tristeza, que raramente é verbalizada.

Já o irmão, Dave Franco, não demonstra o mesmo talento interpretativo. Quando retrata o ator frustrado no início da projeção, é até eficiente, mas, nos momentos de conflito com Tommy, mais parece estar à espera de algo engraçado para rir, como se fosse um espectador em tela. Não há, também, a mínima verdade em suas tentativas de dramatizar as tensões entre os personagens protagonistas, soando artificial e cínico.

O roteiro consegue, de forma inteligente, humanizar os bizarros acontecimentos que circundam a produção de “The Room” e mostrar como a surpresa do público diante da concepção de um filme tão ruim se estendeu até os realizadores. O diretor de fotografia vivido por Seth Rogen, por exemplo, mostra-se surpreso ao descobrir que o cheque dado por Tommy não era fraudulento. Em situações como essa, a obra ainda é feliz ao mostrar como cada membro do projeto teve uma motivação diferente para estar envolvido no longa – mesmo que nenhum deles sequer se aproxime da motivação passional de Wiseau, que busca a autoafirmação a qualquer custo.

Os micro-conflitos do personagem surgem pontualmente sempre que há um momento engraçado, para guiar o público a não só rir, mas também a sentir a humanidade de Wiseau. Com isso, “O Artista do Desastre” se mostra uma homenagem, uma carta de agradecimento a Wiseau por proporcionar um filme que, a sua maneira, marcou a vida de tantas pessoas. Ao mostrar ter tanto medo de ferir ou magoar Wiseau, porém, Franco acaba não imprimindo urgência ao clímax da obra, que levanta pontos interessantes nas tensões entre Tommy e Greg, mas que não são desenvolvidos, pois o longa logo salta para uma conclusão divertida e reverente.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.

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