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Às vezes o excesso de marketing pode prejudicar a saúde de um filme. Não a financeira, que no caso de Barbie tende a ser turbinada pela campanha iniciada há vários meses e que transformou o terceiro longa-metragem solo de Greta Gerwig num fenômeno de popularidade nas redes sociais, mas no sentido de limitar sua capacidade de impressionar e surpreender. E aqui, claro, a culpa não é exclusivamente do marketing, talvez nem principalmente, mas de uma realizadora que não consegue oferecer muito além do que foi mostrado em trailers e outros materiais publicitários.
Essa é definitivamente uma fraqueza de Barbie: quase tudo que está no filme não só já vinha circulando por aí, como é exatamente o que a campanha de marketing dava a entender que seria, da brincadeira com 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) ao funcionamento da Barbielândia, da ida da protagonista (Margot Robbie), acompanhada de Ken (Ryan Gosling), para o Mundo Real às situações cômicas vividas pela dupla nessa nova realidade. Mas a verdade é que essa falta de frescor não se resolveria simplesmente com uma divulgação menos massiva, tampouco o filme funcionaria magicamente para um espectador hipotético que passou o último semestre virando a cara e tapando os olhos diante de cada nova peça publicitária de Barbie.
O problema maior é que Gerwig simplesmente subaproveita o universo criado por ela mesma, com uma encenação que praticamente abre mão de se deleitar com a interação artificial entre personagens e cenários na Barbilândia e com o contraste entre a dupla Barbie/Ken e o Mundo Real (ou das duas personagens humanas com a terra das bonecas). Tudo é rápido demais, apressado demais, filmado em planos breves e pouco exploratórios dos espaços das cenas. A diretora se contenta com a autoconsciência da artificialidade como uma sacada, um toque de esperteza, ao invés de realmente acreditar nas possibilidades criativas do antinaturalismo para fazer um cinema plástico (sem trocadilhos!), inventivo, que desafie certezas estéticas dos espectadores. Nesse sentido, de pouco ou nada serve a inspiração, anunciada por Gerwig mas raramente vista no filme, em clássicos do gênero musical: quem prevalece aqui é a diretora/roteirista de comédias dramáticas indie, que não primam exatamente pelo apuro visual, mas privilegiam o texto e os atores.
Ainda assim, Barbie funciona como comédia em momentos específicos, sobretudo naqueles voltados à sátira à masculinidade. As piadas com a prática do mansplaining são boas e todo o tratamento dado à personalidade do Ken de Gosling é um achado (o ator está excelente). Gerwig sabe o que fazer com os personagens homens – ridicularizar da maneira mais escancarada possível, o que dá às cenas com eles uma frontalidade muito divertida –, mas não tanto com as mulheres, para quem propõe uma abordagem que tenta se equilibrar entre o elogio do empoderamento liberal e a crítica de seus limites. Não à toa vem do primeiro núcleo a melhor sequência do filme, a performance de “I’m Just Ken”, quando a diretora enfim se arrisca na encenação de um número musical um pouco mais longo. Ela claramente está mais à vontade ali. A exceção nesse sentido é o excelente final, todo da Barbie de Robbie, que transita com bastante fluidez de uma seriedade existencialista para uma piada escrachada (e fazendo muito bem as duas coisas). Pena que o caminho até esse ponto da narrativa seja tão esquecível, mesmo que eventualmente engraçado.