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O terror social está em alta no Brasil. Nos últimos anos, destaques como “O Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida, e “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, fizeram sucesso utilizando o gênero para criar análises interessantes de conflitos de classe do Brasil dos anos 2010. Mais recentemente, o fantástico “Morto Não Fala”, de Dennison Ramalho, também foi um exemplar do “terror social” em voga no Brasil, mas com uma abordagem diferente, utilizando seu estudo social apenas como pano de fundo e dispositivo impulsionador para uma narrativa focada em explorar as mais variadas vertentes do terror.
“Canto dos Ossos”, de Jorge Polo e Petrus de Bairros, se assemelha mais a “Morto Não Fala” em sua forma. O filme acompanha duas amigas com poderes vampirescos que se reencontram após décadas separadas. Polo e Bairros filmam a obra em Búzios, cidade turística bastante popular da Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O interessante é que, assim como em “Morto Não Fala”, em “Canto dos Ossos”, o tratamento dado pelos diretores para a relação entre os personagens e o cenário é primordial para a construção da crítica social.
Em “Morto Não Fala”, a crítica é silenciosa, mas está implícita no fato de apenas jovens negros chegarem ao IML onde o protagonista trabalha, por exemplo. Uma relação com quase a mesma discrição é feita em “Canto dos Ossos”, já que as praias e vida noturna de um dos principais pontos turísticos do litoral brasileiro cedem lugar a cenários sombrios, obscuros, que remetem tanto ao mundo vampírico digno de um filme de terror, quanto ao cenário político apresentado. Além do óbvio fator sobrenatural, há algo tão macabro quanto rondando a cidade do filme: o cenário político.
Quando uma professora tem seu trabalho censurado por ser muito “libertino” ou quando notamos qualquer traço de autoritarismo por parte das forças estatais presentes no filme, fica nítido que o terror almejado por Polo e Bairros é muito menos estético e mais político. Não por acaso, o terror do filme é sempre referente ao trash, é sempre subvertido em piada e propositalmente tosco, bobo. Os realizadores entendem esvaziar esteticamente o terror para impulsioná-lo no conteúdo como uma forma de fortalecer a crítica.
O interessante é que, pela opressão social implícita em quase cada plano, a violência gore vampiresca acaba se tornando um ato de rebeldia, de expressão quase artística dos personagens. Em contraponto, as interações normais, do dia-a-dia, são sempre enfadonhas, como se a luz do dia coagisse os vampiros a esconderem quem são, e a noite os desse liberdade para agir. “Canto dos Ossos” é um terror de escolhas corajosas, que custam um preço – a articulação das relações pessoais do filme inexiste, já que tudo funciona de forma alegórica, por exemplo –, mas que jamais eliminam as qualidades de um filme ambicioso e inteligente em sua relação de forma e conteúdo.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto para a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Para conferir toda a nossa cobertura, clique aqui.