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Cemitério Maldito

Cemitério Maldito

As diferentes formas de lidar com a morte são o mote de nova adaptação da obra de King

Matheus Fiore - 9 de maio de 2019

Apesar de ter se tornado um clássico, o “Cemitério Maldito” de 1989 não é um filme imune a defeitos. Questões como a pressa no ato final e a superexposição trazida por alguns diálogos torna o longa um tanto quanto mastigado demais. Mesmo assim, a ideia central é trabalhada decentemente, e o longa de Mary Lambert consegue construir uma narrativa coesa ao redor da relação entre seus personagens e a morte. Agora nas mãos de Dennis Widmyer e Kevin Kölsch, a obra literária de Stephen King ganha uma nova versão, mas que, tematicamente, não traz tantas novidades em relação à de 1989.

Novamente acompanhamos a família composta pelo médico Louis (Jason Clarke), sua esposa Rachel (Amy Seimetz), e os filhos Ellie (Jeté Laurence) e Gage (Lucas Lavoie). Procurando se afastar da correria da cidade, a família vai para uma cidade no interior do estado e compra um terreno próximo à estrada local, terreno esse que possui um cemitério indígena onde qualquer ser que for enterrado, voltará a vida. É até óbvio dizer que “Cemitério Maldito” lida com o fim da vida – mais especificamente, com a relação de seus personagens com a morte –, mas é interessante ver como, na obra de 2019, o roteiro se esforça para estabelecer isso com mais clareza do que no longa de 1989.

Um fator interessante é o roteiro estabelecer as diferentes perspectivas dos personagens com a morte. Se para Rachel, o perecimento é apenas uma transição para o além, para Louis, que mantém uma perspectiva “racional” e cética, ela representa o fim definitivo. O ponto positivo de haver essa base ideológica para os personagens é que, no ato final, “Cemitério Maldito” nos permite entender todas as motivações dos personagens para suas escolhas diante dos problemas que surgem nos momentos derradeiros da trama. É uma obra que, por trabalhar com mais calma os arcos de seus personagens, tenta criar alicerces mais firmes que o longa-metragem de 1989, que era focado mais no mistério e no terror do que na questão psicológica em si.

Assim como seu antecessor, porém, “Cemitério Maldito” não está livre de defeitos. Flashbacks e sustos baratos são utilizados à exaustão e, pior: não só não desenvolvem a história, como não ajudam na construção climática. O filme parece nunca estar escalando sua tensão e a sensação de medo que permeia o ambiente, e só há um real salto quando as primeiras ameaças aparecem, já entre o meio e o fim do segundo ato do filme. Não é um bom sinal também quando, em um filme de terror, metade das cenas que deveriam nos assustar colocam todas as suas fichas em um… Gato zumbi.

O remake, por outro lado, demonstra coragem para subverter algumas das escolhas feitas pela obra de Lambert, mas, infelizmente, nem todas funcionam. Se na versão de 1989, os últimos minutos são a consolidação da ideia de que aqueles personagens são incapazes de lidar com a morte e acabam vencidos por ela, no longa-metragem de 2019, essa relação pessoal é minimizada e os diretores parecem se interessar somente por um jogo de gato e rato que extrai até a última gota do suspense trazido pela iminente tragédia que se avizinha.

Outra diferença é a troca do impacto visual pelo psicológico. Se o filme de Mary Lambert aposta no uso do gore para impressionar em seu ato final, o de Widmyer e Kölsch troca a violência pelo peso emocional dos acontecimentos. Não surpreende, portanto, que a cena de um impactante esfaqueamento seja filmada de forma que o público possa ver o assassino agindo, mas não a vitima sendo atacada. O peso é realocado inteiramente para os conflitos psicológicos que permeiam as escolhas da família e a incapacidade dela de lidar com o passado, as transformações da vida, e a morte.

Essa escolha pelo psicológico, porém, também acaba prejudicada por um descontrole de tom por parte dos diretores. O terror nunca cria o clima de apreensão pretendido, problema gerado pela ausência de ameaça e repetição de situações ao longo da trama. Além disso, algumas cenas acabam desviando para uma pegada mais cômica, o que até funcionaria em um slasher, mas não no horror psicológico proposto por Widmyer e Kölsch, que depende exclusivamente de uma imersão que nunca acontece de fato.

Mesmo que cheio de boas intenções e capaz de trazer novas ideias a uma história já muito bem estabelecida, o novo “Cemitério Maldito” acaba deslizando por ter elementos que se anulam. Indeciso entre investir no psicológico e nas relações de seus personagens com a morte ou trabalhar melhor uma experiência de terror mais direta, calcada não nos sentimentos e ideias, mas nos acontecimentos e seu impacto visual, “Cemitério Maldito” é um filme que acaba ficando no meio do caminho em todas as suas propostas.

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