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Game of Thrones – 8ª temporada

Game of Thrones – 8ª temporada

Último ano termina de forma digna, mesmo que roteiro apresse seus acontecimentos

Matheus Fiore - 20 de maio de 2019

O texto a seguir contém spoilers da 8ª temporada de “Game of Thrones”.

A oitava e última temporada de “Game of Thrones” é, provavelmente, o evento televisivo mais aguardado da história. A série, que há muito se tornou um marco em termos tanto de produção quanto na forma de consumo, criou altas expectativas por sempre ter encontrado maneiras criativas e inovadoras de surpreender seu público. Ficava, então, o pensamento: agora, com um caminho tão bem delineado de conflito entre bem e mal, o que poderiam os roteiristas fazer para puxar o tapete do espectador?

O principal acerto é por como prioridade dramática não a guerra contra o Rei da Noite e seu exército, mas a disputa pelo trono de Westeros. Apesar de, já na primeira cena da primeira temporada, “Game of Thrones” ter estabelecido que a principal ameaça era a chegada dos white walkers, que aparentemente pretendiam destruir todos os sete reinos, a série consegue, ao longo de sua jornada, estabelecer como mesmo os humanos são imperfeitos e tendem à tirania e, portanto, representam também uma ameaça à existência humana. A ameaça da tirania, inclusive, se torna um elemento muito importante ao longo do seriado e tem seu ápice justamente na temporada final, quando a série dedica seus últimos três capítulos a trabalhar sua ideia principal, que é expor a corrupção trazida pelo poder.

Infelizmente, nem todas as ideias são bem trabalhadas na temporada. Se na primeira metade de “Game of Thrones”, os roteiristas faziam questão de construir ideias e arcos de forma calma, aqui, ideias que existiam apenas como sugestão acabam se tornando elementos importantes. Um belo exemplo disso é a transformação vivida por Daenerys, que há muito havia se tornado uma personagem problemática – uma das mais mal escritas da série –, mas que nunca tinha seus feitos negativos repercutidos, o que nos dava a impressão de que a personagem era “blindada” por ser a protagonista. Quando na 7ª temporada, por exemplo, a personagem decide, em vez de poupar, queimar os prisioneiros de uma batalha, era uma das muitas oportunidades de personagens como Tyrion e Varys discutirem se a Targeryan estava de fato apta ao cargo, algo que, infelizmente, só acontece quando faltam poucas horas para o fim.

Discussões como a dos feitos de Daenerys Targeryan sempre foram proteladas ou ignoradas. Em prol de um plot twist que não foi lá tão surpreendente (a teoria de que Daenerys se tornaria uma rainha louca existia há anos), os roteiristas trabalharam de forma simplória o desenvolvimento da loucura e da tirania da personagem, para tratar essa transformação não como um pilar da oitava temporada, mas sim como uma reles surpresa. Ou seja: trocam uma história mais bem acabada e amarrada por um impacto dramático, que acabou não tendo o efeito esperado justamente por apostar numa surpresa que “já era esperada”.

Ponto de lado o roteiro imperfeito, é interessante observar como “Game of Thrones” enxerga o poder de forma semelhante a “O Senhor dos Anéis”. Se na série de livros J. R. R. Tolkien, todos que vislumbram o poder do anel acabam partindo da Terra Média na cena final, a série de televisão da HBO segue caminho semelhante, mas adaptando o fantástico para o real (uma marca de “Game of Thrones”). Tirando justamente os que são coroados, todos os personagens que se aproximaram do poder, de alguma forma, acabam vendo no exílio uma saída. Como se o fato de terem passado por tantas situações trágicas originadas por essa disputa pelo poder tivesse os deixado saturados daquele ambiente e os obrigasse a se afastar.

Não poderia ser mais belo, então, o plano que conclui o episódio (e a série). Jon Snow, ao lado dos outrora demonizados “selvagens”, adentram uma floresta no norte. No primeiro capítulo da primeira temporada, a série se apresenta para o público justamente com um trio nortenho sendo encurralado por white walkers em uma floresta do norte. É como se, então, com a batalha contra o mal tendo sido vencida, coubesse aos personagens ressignificar lugares do passado e vislumbrar, onde antes havia medo, esperança e futuro.

“Game of Thrones”, todavia, não demoniza o poder. Na verdade, a série mostra como governar é (obviamente) necessário, mas sutilmente sugere que o problema está justamente no método. Enquanto reis como Cersei, Joffrey e Daenerys governavam com ordens, o novo rei, Bran, mal é visto tomando decisões importantes. Inteligentemente, a última cena política da série é justamente a reunião da mão do rei e seus auxiliares, mostrando não só a importância da partilha do poder, mas também a discussão, a troca, o debate, algo essencial na democracia e que Daenerys parece ter ignorado ao longo de toda sua vida.

O oitavo e último ano de “Game of Thrones” consegue não só referenciar e fortalecer a mitologia de seu passado (Ned Stark ainda ecoa em cada fala e ato de seus filhos, por exemplo), como também consagrar alguns dos conceitos primordiais de sua história: a relação humana com o poder, jogos políticos e a necessidade de seguir em frente diante das perdas. Voltamos, então, à cena na qual Jon e os selvagens adentram a mata. É como se, para aqueles personagens tão marcados pela morte, restasse um retorno ao primitivo representado pela natureza. Um retorno que funciona como um novo começo e, para nós, a despedida de um dos grandes eventos da história da televisão americana.

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