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Good Omens

Good Omens

Não seja aquilo que te fizeram

Gustavo Pereira - 27 de junho de 2019

“Good Omens”, adaptação televisiva do livro de mesmo nome escrito pelos britânicos Neil Gaiman e Terry Pratchett, tem na leveza seu maior trunfo. O batido tema “fim do mundo” não é tratado com solenidade ou histeria: em vez disso, um humor tipicamente britânico permeia toda a obra, algo próximo ao que o também britânico Douglas Adams alcançou na saga “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (cuja adaptação para o cinema, infelizmente, não lhe faz jus). Entre uma piada e outra sobre a surreal burocracia na terra da Rainha, a série discute temas como destino e propósito.

Good Omens Neil Gaiman série

O demônio Crowley (David Tennant) é encarregado de entregar o Anticristo para a família de um embaixador dos Estados Unidos e garantir que o filho de Satanás seja devidamente “educado” para, após seu aniversário de 11 anos, liderar o fim do mundo. Ciente de que o Armagedom lhe privará da boa vida mundana, Crowley pede que o anjo Aziraphale (Michael Sheen) o “atrapalhe”, ensinando amor e compaixão ao Anticristo, de modo a anular os esforços do demônio. Tudo isso para, após 11 anos de um trabalho – não muito – dedicado, os dois descobrirem que o Anticristo fora extraviado na maternidade.

Em seis episódios, “Good Omens” desenvolve a trama sem nunca negligenciar os personagens. A relação entre Crowley e Aziraphale, que começa na criação do Éden, faz a parceria apresentada no primeiro episódio passar de inusitada para óbvia. Atravessando eventos marcantes da Humanidade como a crucificação de Cristo, o Terror e a Segunda Guerra Mundial, os dois dialogam sobre questões existenciais milenares (“se Deus não queria que os humanos comessem o Fruto Proibido, por que o colocou ao alcance das mãos e não na Lua?”) e a futilidade de seus trabalhos (“seu trabalho está anulando o meu: por que simplesmente não vamos pra casa, já que o resultado vai ser o mesmo?”). Esse questionamento também surge em Anathema (Adria Arjona) e Pulsifer (Jack Whitehall), duas pessoas aparentemente presas ao destino traçado por seus ancestrais.

Good Omens Neil Gaiman série

Vera Hamburger, no livro “Arte Em Cena: A Direção de Arte No Cinema Brasileiro”, define seu trabalho como “a construção de um universo físico visual coerente com a abordagem original” da obra. Os dois mundos antagônicos de “Good Omens”, onde anjos e demônios se reúnem, são visualmente antagônicos: o primeiro é branco, iluminado e asséptico, enquanto o segundo é preto, escuro e imundo. Em diferentes eras, Aziraphale e Crowley se vestem sempre de branco e preto, respectivamente. Os dois são facilmente associados aos seus “lados” na guerra prestes a eclodir. Eles deveriam ser soldados, mas estão mais para funcionários de grandes empresas preocupados em perder o emprego.

A dinâmica entre Aziraphale e Crowley lembra a de Ralph e Sam, o lobo e o cão dos Looney Tunes que, ao fim do expediente, deixam as inimizades de lado e confraternizam como amigos. Num antagonismo de branco X preto, os dois se encontram no cinza. Aziraphale questiona a necessidade de destruir a Terra apenas para saber, entre anjos e demônios, quem prevalecerá. Crowley vai além e em inúmeras oportunidades se queixa de ser um demônio apenas por estar “andando com as pessoas erradas”. A ideia mais interessante da temporada de “Good Omens” é que o Anticristo, filho do próprio Satanás, ao ser criado longe de qualquer influência, se tornou uma criança normal (Sam Taylor Buck), sem que nenhuma “maldade inata” aflorasse nele.

Good Omens Neil Gaiman série

Adam Young, o Anticristo

“Good Omens” advoga pela libertação individual das convenções sociais e do pleno exercício do livre arbítrio, mesmo em cenários extremos em que a própria Realidade esteja em jogo. Como James Mangold resumiu elegantemente no clímax de “Logan“: não seja aquilo que te fizeram.

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