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House Of Cards – 4ª temporada

House Of Cards – 4ª temporada

Matheus Fiore - 11 de março de 2016

Depois da mediana terceira temporada, muitos se perguntaram se House Of Cards deveria ter encerrado o arco dos Underwood ao fim da segunda, com o golpe final de Frank em Garrett Walker. Esta quarta temporada vem justamente para mostrar que a série vai muito bem, obrigado, e que ainda há muito potencial de crescimento.

Assim como na anterior, começamos aqui acompanhando a história de um coadjuvante com até menos destaque que Doug Stamper. Todo o arco dessa personagem (que prefiro não revelar quem é) foi construído minuciosamente ao longo das temporadas anteriores, com muita paciência e carinho, para que ela tivesse aqui seu grande momento. Este é um dos grandes destaques de House Of Cards, mostrar como uma pessoa íntegra e honesta pode ser destruída emocionalmente.

O roteiro é competente ao mostrar o quão limitados alguns personagens estão por não jogarem sujo como Francis. Heather Dunbar e sua chapa são sufocados de todos os lados pela mídia e pelos “agentes” do presidente. Lucas Goodwin simplesmente perde tudo, inclusive sua dignidade, e a excelente atuação de Sebastian Arcelus (um dos melhores da temporada) nos faz sentir calafrios em cada momento do personagem.

Outro grande trunfo da série – que aqui foi potencializado – é o uso da fotografia para criar um clima de tensão, medo e coerção. Os corredores da Casa Branca estão mais sombrios e sem vida do que nunca. Em grande parte das cenas, os personagens possuem o rosto parcialmente oculto por sombras, uma clara alusão à decadência moral e à corrupção presentes intrinsecamente na alma de alguns dos personagens.

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Além da fotografia, a montagem também é trabalhada de forma caprichada. Em diversos momentos da campanha, ela intercala os ensaios para discursos de Francis e Claire com a apresentação destes ao público. Esta opção torna alguns episódios, que poderiam ser arrastados pela falta de clímax, extremamente dinâmicos, e são importantes para agilizar a história. A atuação de Kevin Spacey aqui ganha muito destaque, pois a expressão de desdém que ele apresenta nos ensaios é gritantemente diferente do falso sorriso exibido diante das câmeras e eleitores.

Apesar de abrir com um episódio pouco comum que foca mais em um coadjuvante do que nos Underwood, esta temporada segue um modelo americano muito usado: ela é claramente dividida em dois arcos. Os primeiros 6 capítulos são destinados ao fechamento de histórias construídas nas temporadas anteriores, e além de serem muito importantes no desenvolvimento de grandes personagens como a Claire, abrem espaço para outros que outrora só faziam figuração.

A segunda metade, apesar de menos tensa, é igualmente bem arquitetada, e foca na corrida presidencial. Frank aqui encontra um novo adversário republicano, Will Conway (Joel Kinnaman, sem alma como em Robocop). Conway tem tudo que Frank não consegue ter: ele é carismático, jovem, pai de família e ex-militar. O clássico herói americano. Apesar da fraca atuação de Kinnaman, o personagem é bem escrito e funciona. Desde sua primeira aparição, vemos que é um forte adversário para Frank, que se desdobra para compreende-lo e supera-lo. Em momento algum temos a sensação de que é só mais um adversário a ser batido.

A forma como Will Conway é apresentado na série é de uma qualidade espantosa. A cena abre com ele e sua esposa trocando carícias no banheiro ao acordar, enquanto os planos se alternam com a relação matinal de Frank e Claire, que são incapazes de se olhar nos olhos e até se tocar. Mais uma vez, a montagem cria uma rima visual incrível. O objetivo da cena é claro, mostrar que Underwood e Conway são, aparentemente, opostos. Mas o mesmo episódio faz questão de mostrar que Conway também tem sua máscara. Reparem como a fotografia muda quando nos apresentam as cenas de Will gravando seus vídeos com sua família para o público. Toda a paleta cinzenta e sem vida que domina a série desaparece, e adentramos um mundo muito mais vívido e colorido. Um mundo que seu vice, curiosamente, se mostra incapaz de entrar.

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Se a primeira metade focava nos desdobramentos da separação de Frank e Claire, a segunda foca na dinâmica de ambos os personagens. Pela primeira vez, ambos dividem não só o tempo de tela, mas também a importância para o funcionamento de um plano maior. Sem Claire, não há Frank, e vice-versa. Esta temporada, mais do que qualquer outra, mostra a frieza e calculismo do casal protagonista, e como isso é importante para suas estratégias políticas.

Desta vez, Robin Wright se destaca não só interpretando Claire Hale Underwood, mas também dirigindo a série em quatro oportunidades. Em um episódio específico, ela consegue magistralmente criar um clima selvagem e tenso momentos antes de nos apresentar um dos acontecimentos mais marcantes da série até aqui.

A quebra da quarta parede tem muito menos destaque do que nas temporadas anteriores. Aqui, ela é utilizada apenas quando é necessário explicar algo sucintamente. Sua ausência cria uma carência, já que estávamos acostumados a ver o recurso em quase todo episódio. Mas a série acaba nos recompensando nas suas derradeiras cenas, quando o impacto do uso da técnica é muito maior.

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Mesmo se mostrando bem mais madura e ousada que a temporada anterior, esta ainda possui seus defeitos. Grandes personagens demoram muito para serem desenvolvidos, e outros que antes eram peças chave, aqui são subaproveitados. É o preço que se paga por tentar trazer de volta quase todos os personagens já utilizados na série. Fica um gostinho de “quero mais disso” em alguns conflitos e diálogos. Além disso, a série peca em explorar muito pouco o lado sádico e sem limites de alguns personagens. Alguns detalhes de direção e metáforas ficam ligeiramente forçados, mas nada que atrapalhe a narrativa.

House Of Cards ainda não nos entregou sua temporada definitiva, mas o rumo tomado nos três capítulos finais desta temporada nos dão esperança de vermos, no próximo ano, algo que pode vir a se tornar a grande série pós-Breaking Bad e Mad Men. Ao fazer rimas com situações políticas reais e brincar com a repetição do passado no presente (medo e terror como arma de manipulação das massas), a série ao mesmo tempo nos fascina com seu enredo e nos assusta com seu potencial de realismo macabro.

 

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