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Mindhunter – 2ª temporada

Mindhunter – 2ª temporada

Segundo ano da série expande e aprofunda seus temas mantendo a qualidade

Matheus Fiore - 21 de agosto de 2019

O fim da primeira temporada de “Mindhunter” abriu muitas possibilidades para o segundo ano da série. No estágio em que se encontrava a obra criada por Joe Penhall co-produzida e com a assinatura estética de David Fincher, o protagonista Holden Ford tem uma crise de pânico ao perceber que as linhas que o separam de um serial killer são mais morais do que patológicas – afinal, o protagonista passou a desenvolver fetiches sexuais similares aos de alguns dos criminosos com quem conversou, como a fixação pelos sapatos da namorada. Essa ideia, se analisada em paralelo com a filmografia de David Fincher, conversa bastante com as ideias apresentadas em seus longas-metragens.

Fincher já chegou a dizer que sua filmografia inteira é calcada em uma ideia principal: a de que todos os seres humanos são pervertidos. Em “Mindhunter”, essa premissa é levada a cabo com uma precisão e estilo que desenvolvem cada tema de forma extremamente cautelosa e sutil. Se o ano inaugural de “Mindhunter” nos apresentou a equipe do FBI, composta principalmente por Ford, Tench e Wendy, estudando serial killers e desenvolvendo sistemas de compreensão que facilitem a identificação e a prevenção de novos crimes, a segunda, de certa forma, joga uma luz sobre as peculiaridades dos próprios protagonistas.

O ano um focou em apresentar uma vasta gama de serial killers e, com isso, em mergulhar protagonistas e espectadores nesse universo doentio dos assassinos em série dos anos 60 e 70. Porém, após a virada do capítulo final, ficou claro o direcionamento que a série tomaria: agora, os analisados não são apenas os criminosos, mas quem os coloca atrás das grades. Os realizadores apresentam a proposta de mostrar como a violência e a perversão também se fazem presentes nas pessoas ditas “normais”, e faz isso não apenas com Ford, mas com Wendy e Tench também. Tench, aliás, protagoniza o principal arco dramático da série, pois o personagem agora desconfia que possui uma influência negativa sobre seu filho adotivo, que se envolveu em um crime um tanto quanto macabro.

O roteiro consegue, portanto, expor como um serial killer não é necessariamente uma pessoa que nasceu para o mal, algo que a temporada anterior já havia sugerido ao mostrar personagens com histórico familiar ordinário que se tornaram verdadeiros monstros. Às vezes, é uma pessoa que pensa normalmente e desenvolve um comportamento ou sentimento específico com o qual não sabe lidar, podendo ser, até mesmo, uma pessoa próxima, como pode ser no caso de Tench. Já com Wendy, o roteiro foca em inseri-la em um relacionamento amoroso para expor o lado mais manipulativo e controlador de sua personalidade.

É interessante também notar que a nova temporada abraça outros contextos socioculturais da época. A partir do fato de a série girar por toda a América enquanto a equipe do FBI investiga os crimes, vemos como a tensão racial dos anos 70 influencia nas investigações. O interessante é que alguns dos crimes retratados passam longe de ter solução. A priori, pensamos que o foco foi alterado; parece, momentaneamente, que “Mindhunter” não mais se interessará pelos desdobramentos dos fatos, e sim pela investigação por si.  Sai o drama psicológico interno de Ford e entra um modelo dramático mais interessado na investigação policial pura e simples. O que notamos aos poucos, entretanto, é que, apesar de haver um esforço por uma reconstrução histórica apurada, o que fica exposto ao longo da temporada é o diagnóstico de que todo o país está doente. A ideia é utilizar as situações apresentadas para expor os problemas psicológicos que permeiam a mente daqueles que cresceram em uma sociedade doente.

A fotografia fria e esverdeada já notória da carreira de Fincher se faz presente também em “Mindhunter”, mas, aqui, abrindo caminho para uma crítica política mais direta, expondo como os Estados Unidos possuem sérios problemas de formação psicológica da sociedade, principalmente pelo fato de o país ter sido fundado em cima de uma cultura um tanto quanto violenta – vide o Destino Manifesto. Os cenários parecem intoxicados, corrompidos, e a sociedade está à mercê desse contexto sociocultural.

Em uma cena chave do quinto episódio, Bill Tench discute com Charles Manson (Damon Herriman, em uma das grandes atuações do ano) durante uma visita à penitenciária onde o sociopata está. Enquanto Ford observa a discussão de maneira passiva, quase como se estivesse hipnotizado pela figura de Manson, Tench argumenta utilizando suas crenças no sistema de sociedade, enquanto Manson, aos poucos, expõe como, de uma forma ou de outra, todos ali estão presos de alguma forma. Mesmo que longe do clímax da temporada, a cena é a síntese perfeita da ideia de “Mindhunter”. Bem como no ano anterior, os agentes do FBI visitavam serial killers em penitenciárias para entrevistá-los; aqui, a situação é revertida e os próprios protagonistas são os personagens questionados – como Tench, que é interrogado pela assistente social que cuida do caso de seu filho.

Como diz Manson a Tench, ambos os personagens são reflexos. Há, obviamente, uma linha moral e patológica dividindo o sociopata e o agente do FBI. Essa linha, porém, é tênue, mais frágil do que as próprias estruturas da sociedade tentam mostrar que é. Se eventos traumáticos podem ter sido o estopim de diversos daqueles assassinos em série para que eles despertassem seu lado mais violento, é extremamente empolgante imaginar como estarão Ford, Tench e Wendy no ano três, agora que os acontecimentos os levam para um ponto de isolamento e pressão interna e externa cada vez maiores. O caminho sugerido é que, entre os próprios agentes, uma ruptura mental já não é algo tão improvável, e o abismo já os encara de volta.

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