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Stranger Things 3

Stranger Things 3

Excesso de personagens e subtramas desestabilizam a dinâmica da narrativa

Yasmine Evaristo - 5 de julho de 2019

“Stranger Things 3”, continuação da série queridinha da Netflix que conquistou o público pela ambientação oitentista e as referências nerds à cultura pop, mantém os problemas da temporada anteriorO excesso de personagens e subtramas desestabiliza a dinâmica da narrativa a ponto da trama principal não ser tão interessante. Mais uma vez, o que move as personagens é fechar o portal para o Mundo Invertido. A repetição de algumas situações é o principal problema enfrentado pelo roteiro. A sensação de estar vendo um adaptação das temporadas anteriores atravessa o espectador a todo momento.

Stranger Things 3 Netflix

O primeiro episódio começa adicionando mais uma peça ao quebra-cabeça do Mundo invertido: na cena inicial, ambientada em um laboratório no ano de 1984, um experimento busca abrir uma passagem para esse outro lado. De volta à Hawkins de 1985, o romance está no ar. O casal Eleven (Millie Bobby Brown) e Mike (Finn Wolfhard) não se larga mais. Sua proximidade é tanta que os laços de amizade do garoto com Dustin (Gaten Matarazzo), Lucas (Caleb McLaughlin) e Will (Noah Schnapp) está instável. O ponto de encontro da turma não é mais o fliperama. A cidade ganhou uma nova atração, um shopping. E esse lugar será o palco da maior parte das aventuras.

Ao longo da temporada de “Stranger Things 3”, o amadurecimento das personagens mais jovens será demarcado por conflitos pessoais. E não apenas esse distanciamento dos amigos, mas também as brigas entre namorados ou relações de rivalidade que  se tornam amizade. Entretanto, mesmo  trazendo no roteiro discussões interessantes sobre a transição da infância para a adolescência, os argumentos se perdem em rodeios. A série tem uma “barriga”, um excesso que torna o desenvolvimento cansativo e preguiçoso. 

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Em meio à previsibilidade, temos a inserção dos russos nas práticas experimentais. Quem orienta a tentativa de abrir o portal são eles, os “vermelhos”, a grande ameaça comunista. Chega a ser hilária a maneira como essas personagens são pensadas e representadas. Estão todas dentro do perfeito estereótipo dos filmes oitentistas. Que é exatamente a proposta da série, vale a ressalva.

Os grandes vilões materiais de “Stranger Things 3” – os russos e a criatura do Mundo Invertido – existem em paralelo ao medo intangível da separação. À medida que a história se desenvolve, percebe-se que todas as personagens estão passando ou vão passar em breve por um processo de ruptura. Talvez esse seja o maior vilão da série e foi desenvolvido de maneira superficial. Um pouco mais de atenção aos dramas pessoais  poderia trazer novos ares e consistência ao universo de “Stranger Things”. A melhor escolha seria deixar a ameaça ao mundo por seres sobrenaturais como pano de fundo, metáforas para questões menos peculiares e mais abrangentes.

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A criatura de carne, em forma de aranha, denominada pelas personagens de “Devorador de Mentes”, foi concebida visualmente como um ser dos clássicos de sci-fi. Sua estrutura mínima, em forma de partículas, ganha forma e força à medida que incorpora a vida de outros seres à sua. O resultado é a materialização da aranha que aparece nos céus da série desde a primeira temporada. O processo de mutação remete a títulos como “A Coisa”, de 1958, ou o mais recente “Seres Rastejantes”, de 2006.

Alguns arcos que se iniciaram na temporada anterior se desenvolvem um pouco mais em “Stranger Things 3”. É o caso de Billy (Dacre Montgomery) e Max (Sadie Sink), vítimas diretas do ser das trevas. A dupla Joyce (Winona Ryder) e Jim (David Harbour) se mantém respectivamente nas posições maternal e paternal que consolidaram ao longo das história. Personagens como o casal Nancy (Natalia Dyer) e Jonathan (Charlie Heaton), fofos e em destaque no início, são deixados de lado. A divisão do grande grupo em pequenos núcleos dificulta a permanência deles em cena. Até Will, que ficou 16 episódios fora deste mundo, aqui está claramente isolado. 

Os coadjuvantes se tornam mais interessantes que os protagonistas. Dois deles, presentes na segunda temporada, voltam para aparecer mais vezes. São eles o paranóico Murray Bauman (Brett Gelman) e a anti-nerd Erica (Priah Ferguson), irmã caçula de Lucas. O devido destaque deve ser dado a Erica. Atrevidamente, ela conquista seu espaço. Dessa maneira, é transformada em elemento essencial para que as barreiras sejam transpostas. Sem sua sensatez ninguém chegaria à fase final. A garota é irônica, impetuosa e muito inteligente. A dinâmica dela com Dustin, Steve (Joe Keery) e Robin (Maya Hawkin) se sobressai em meio a mesmice.

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As referências se fazem presentes nos argumentos (“Rambo gordo”), nos quadros (como em um da criatura claramente inspirado em “Alien 3”) ou dentro da diegese da série (“Amanhecer dos mortos” e “De volta para o futuro” são filmes em cartaz no cinema de Hawkins). A trilha, apesar de bem selecionada, não provoca o mesmo impacto das temporadas anteriores. Ela chega a ser esquecida em meio aos acontecimentos, com no máximo duas exceções. Elementos como figurino, penteados e fotografia mantém o padrão visual preestabelecido.

“Stranger Things 3” não provoca desgosto ou apreço. Fica ali, na corda bamba entre o que quis e o que poderia ser. Se nos fossem dados apenas os dois primeiros e os dois últimos capítulos, sem a referida “barriga”, uma versão “lipoaspirada” da temporada, o resultado final seria marcante. Mais uma vez, os Irmãos Duffer perderam a oportunidade de recuperar a qualidade alcançada em 2016.

Assista à série completa aqui.

 

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