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Ciganos da Ciambra

Ciganos da Ciambra

Matheus Fiore - 13 de outubro de 2017

Selecionado para representar a Itália no prêmio de Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2018, “Ciganos da Ciambra” acompanha um pequeno vilarejo no extremo sul do país da bota. É uma região pobre, dividida entre grupos de italianos locais, refugiados africanos e uma família de ciganos. Entre os ciganos está Pio, adolescente de 14 anos que, assim como os familiares de sua faixa etária, não tem, digamos, uma infância saudável. Tendo a família sustentada por dois irmãos ladrões, os ciganos vivem à margem da lei e à mercê dos mafiosos que dominam a área. Com este cenário, “Ciganos da Ciambra” faz um estudo de juventude ceifada em uma sociedade insensível e coerciva, com uma forte inspiração no clássico “Os Incompreendidos”, de François Truffaut.

Com uma câmera em constante movimento, “Ciganos da Ciambra” consegue transportar o espectador para a ambientação caótica do lar do protagonista. Na estrutura das cenas, o uso predominante de close-ups com uma profundidade de campo curta, que torna o fundo desfocado, ajuda a criar uma atmosfera opressora para a obra. A tela sempre estará fixa no rosto dos personagens, o que, por um lado, dá espaço para os atores se destacarem, mas, por outro, torna o filme visualmente pesado e cansativo. Há de se criticar, também, a escolha de iluminação do diretor de fotografia Tim Curtin, que deixa o longa mergulhar na penumbra, o que muitas vezes compromete a compreensão do público quanto ao que está projetado na tela.

Quando a câmera se aquieta, o diretor Jonas Carpignano consegue apresentar a realidade do vilarejo. Enquanto os adultos fazem do crime seu ganha-pão, as crianças emulam seus feitos. É espantoso (e natural) ver crianças com menos de dez anos falando e agindo como adultos, ao ponto de todo o elenco mirim fumar. Uma constante é os planos que trazem os adultos em situações embaraçosas ou criminais, enquanto, no contra-plano, vemos os olhares atentos das crianças, como se aprendessem com as referências ruins – algo que é bem evidenciado ao notarmos como o figurino de Pio emula o de seus irmãos mais velhos, tanto no casaco cinza quanto na jaqueta que ele passa a utilizar quando se torna um ladrão – itens que são constantes no figurino de seus primos mais velhos.

Também não há espaço para brincadeiras ou estudo – algo que fica nítido quando a obra nos deixa claro que Pio, com seus 14 anos, ainda não sabe ler -, deixando claro que o processo de “adultificação” das crianças os priva não só da infância, mas de elementos essenciais para qualquer ser humano no século XXI. Afinal, a incapacidade de ler é um grande limitador de conhecimento para todos aqueles personagens. Mesmo que a atmofesra sufocante e opressora esteja presente pelo fato de a fotografia retratar isso por planos fechados e escuros, o excesso acaba tornando a obra visualmente incômoda, carregada e, em certos momentos, confusa – algo que poderia ser amenizado se as cenas com câmera na mão não fossem sempre em close-up, variando a perspectiva e permitindo ao público ter melhor noção do que acontece ao redor. “Ciganos da Ciambra funciona como retrato de um pequeno universo no qual a infância é sacrificada em prol das responsabilidades da vida adulta. Para Pio, seus irmãos e sobrinhos, não há outra alternativa: a vida adulta chega de maneira coerciva e irreversível.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.

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