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A Garota Ocidental

A Garota Ocidental

Gustavo Pereira - 21 de junho de 2017

A sensação que se tem assistindo ao filme A Garota Ocidental, do belga Stephan Streker, é que sua obra já nasce comprometida pela massificação do tema abordado. Uma pena, pois tanto o tema é relevante, quanto o diretor faz escolhas inteligentes para contar sua história. Mas parece que a cultura muçulmana só está autorizada a contar uma história para os ocidentais.

A jovem Zahira (Lina El Arabi) nos é exibida pela primeira vez em um consultório médico. O diálogo com a profissional do plano de saúde dá informações cruciais sobre a protagonista do filme, sem que haja a necessidade de exposições capengas posteriores: aprendemos que Zahira está grávida, o bebê é um inconveniente para ela, um aborto é possível, mas ela tem pouco tempo para tomar uma decisão. E, o mais importante: ela não está certa se quer mesmo realizar este aborto.

O conflito entre as tradições culturais e os desejos individuais permeiam a obra. É esperado que Zahira se case com um paquistanês, mas ela é apaixonada por um jovem belga de seu círculo social. Criada longe de sua terra natal, esses ritos de passagem não lhe fazem sentido. A Garota Ocidental inverte um clichê narrativo da mulher obrigada a manter um bebê para mostrar Zahira obrigada pela própria família a fazer um aborto, de forma que ainda possa se casar. Mas a dinâmica é a mesma: o corpo da mulher é de todos, menos dela.

O filme constrói muito bem a imersão do expectador com uma montagem que opta por temas em vez de ritmo temporal regular. Um exemplo prático: quando Zahira está conversando com um pretendente, a reação a algo que ela ouve vem na cena seguinte. Dessa forma, o diálogo não se torna arrastado e a passagem de tempo fica perceptível, além de salientar que a constância no período contido neste salto temporal é o estado de espírito da jovem. O maior mérito desta escolha é que todas as informações são transmitidas em segundos, de forma implícita.

O elenco também se destaca, principalmente a família de Zahira. Sébastien Houbani, que interpreta seu irmão Amir, está sempre dividido pelo amor. Por um lado, ele quer ver a irmã feliz; por outro, quer ver os pais felizes. A ideias que os dois lados têm de felicidade é incompatível, e Amir tentar conciliá-los é o seu dilema. O tcheco Babak Karimi e a indiana Nina Kulkarni – este é um dos elencos mais multiétnicos que vi recentemente, com Arabi e Houbani sendo franceses – também alternam momentos de candura, desespero e até certa crueldade com uma fluidez totalmente crível. Concordando ou não com as crenças de cada personagem, é fácil se colocar no lugar de cada um e entender o que estão pensando.

Streker faz de A Garota Ocidental uma experiência cinematográfica instigante, sobrepondo cenas de algazarra com longos silêncios, tendo o filme apenas duas músicas diegéticas na trilha sonora, estas servindo como contraponto para as emoções dos personagens na tela. Em determinado momento, para mostrar o quanto Amir está afastado do pai, os filme seguidamente dentro do mesmo carro, mas em planos separados, alternando com enquadramentos do próprio carro.

O ato final, apesar de previsível (há um foreshadowing no meio do longa), é perfeitamente coerente com os conflitos apresentados durante os 100 minutos de projeção. Guarda certa melancolia, pois reflete precisamente o que Zahira aprende com sua irmã: “é claro que a vida é injusta, somos mulheres”. Por mais que A Garota Ocidental conte uma história já contada dezenas de vezes, o faz de forma bela. Para quem busca um primeiro contato com filmes fora da indústria hollywoodiana, eis uma bela porta de entrada.

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