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A Morte Branca do Feiticeiro Negro

A Morte Branca do Feiticeiro Negro

Os ecos da escravidão e do racismo traduzidos em imagens

Matheus Fiore - 24 de agosto de 2020

Mesmo que, ao perguntarmos para as pessoas qual foi o momento mais triste da história do Brasil, muitos respondam a ditadura militar, considero inquestionável que a escravidão tenha sido não só o mais triste, mas também o mais danoso momento da história de nosso país. Captar a atmosfera do período escravagista implica, geralmente, em criar um filme que tenha algo de soturno, denso e melancólico em seu tom. Foi um momento que, até hoje, reverbera em nossa sociedade. O curta A Morte Branca do Feiticeiro Negro, de Rodrigo Ribeiro é uma simples e forte homenagem a um escravo do século XIX que escreveu uma carta de despedida antes de cometer suicídio.

A narrativa de Morte Branca se constrói ao redor do relato, que não é narrado, mas projetado em texto na tela, enquanto assistimos a um filme feito com imagens de arquivo, sejam fotografias do período escravagista ou meras filmagens de regiões que remetem diretamente ao período. O som, porém, é angustiante. Peça chave do funcionamento de Morte Branca de um Feiticeiro Negro, o som escolhido por Rodrigo Ribeiro causa incômodo constante, é um sentimento de perturbação constante.

O que Rodrigo Ribeiro estabelece com seu curta, portanto, é um eco. O cineasta usa a carta do escravo como porta para nos transportar para o período mais sombrio da história de nosso país. É um incômodo constante e ininterrupto, que por dez minutos nos faz lembrar desse período histórico e mostrar como ele ainda ecoa em nossa sociedade. De certa forma, sequer faz diferença se alguns dos registros visuais são do século XIX ou XXI, porque, no fim das contas, a ideia mesmo é criar uma atemporalidade do registro. Não no sentido de que ele sempre permanecerá relevante, independentemente do contexto, mas sim de que ele ainda ecoa por haver uma dificuldade imensa da humanidade de dar grandes passos na questão racial.

A última fotografia exibida, mostrando vários negros trabalhando em uma plantação, não por acaso é projetada de forma semelhante à fotografia dos fantasmas de Overlook Hotel em O Iluminado. Se o filme de Kubrick mostra as diversas almas capturadas e consumidas pelo hotel, o de Rodrigo Ribeiro, ao focar individualmente em cada um dos personagens antes de mostrar a imagem por completo, mostra também como essas almas negras foram capturadas e consumidas durante o período escravagista. A Morte Branca do Feiticeiro Negro é uma homenagem às muitas figuras esquecidas, apagadas e exploradas da história, que utiliza seus elementos mais fantásticos – a trilha, a distorção da imagem, a montagem – para transformar essa homenagem em algo mais. A Morte aponta o perdurar dessa estrutura como uma herança mitológica maldita, que ainda assombra nossa sociedade e inconsciente coletivo.

A pura escolha de, antes de encerrar a obra, nos mostrar diversos indivíduos do período escravagista, mostra como ainda há uma consciência de que a carta escolhida como fio condutor do filme é apenas uma entre as muitas vozes. Ribeiro praticamente confessa que seu esforço para dar palco a uma vítima da escravidão é apenas um pequeno feito no meio de tantas histórias passadas.


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