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A Noite do Jogo

A Noite do Jogo

Matheus Fiore - 9 de maio de 2018

“A Noite do Jogo” começa como uma comédia com dramas familiares e, aos poucos, torna-se um “007 wannabe” – com direito a perseguições em carros luxuosos e capangas dignos de vilões de James Bond. É, portanto, interessante observar como o filme inicia sua narrativa calcada no realismo, mesmo que esteticamente, haja muita estilização – algo que será mais comentado ao longo do texto – e, aos poucos, abraça a caricatura.

Na trama, o casal Max e Annie (Jason Bateman e Rachel McAdams) costuma receber outros casais em sua casa para participarem de brincadeiras como mímica e “jogo da vida“. Um dia, porém, Brooks, o irmão bem-sucedido de Max, chega à cidade, e convida seu caçula, esposa e amigos para uma noite de jogos memorável, que acaba levando os personagens para uma aventura que envolve perigos reais, com consequências reais.

O filme de Daley e Goldstein aposta no humor desde seu plano inicial. O quadro que inicia “A Noite do Jogo” traz o rosto de Max sorridente e em um momento descontraído, mas com a palavra “morte” projetada em sua testa. Com isso, desde seus frames iniciais o longa já insere o espectador no clima da obra, que manterá um tom cômico mesmo diante dos mais intensos e perigosos eventos que permearão a jornada dos personagens.

O roteiro encontra uma maneira diferente de trabalhar o humor para cada personagem. O protagonista, por ser alguém que está sempre sendo comparado com seu irmão mais velho – e mais bem sucedido -, é sempre alvo das piadas, o que facilita que o espectador crie empatia – o clássico underdog. Já com Ryan, o amigo “burro” da turma, as piadas sempre giram ao redor de suas dificuldades de compreender as situações. É elogiável, portanto, que o roteiro consiga sempre pinçar um elemento e fazer dele uma piada que gere interação de todo o elenco, permitindo que todos tenham uma participação importante para o desenvolvimento da trama.

Igualmente bem-sucedida é a escolha de trabalhar piadas a médio e longo prazo, como a do casal que discute uma suposta traição, permitindo que uma mesma situação vá sendo trabalhada lentamente e alcance seu clímax no fim do segundo ato do filme. É ainda mais admirável a construção lenta da piada pois, assim, “A Noite do Jogo” consegue fazer com que o humor não surja simplesmente de gags isoladas, mas de construções de personagens feitas lenta e pontualmente.

Na construção estética, “A Noite do Jogo” se esforça para que haja imersão do público. Quando a narrativa engata sequências de ação, há um trabalho de câmera baseado em movimentos que acompanham a cena: desde câmeras fixas atrás de carros em fuga, até lentes que acompanham os movimentos nos combates corpo-a-corpo, todo o jogo de câmera está lá para imprimir agilidade à direção e fluidez à narrativa.

Essas escolhas são importantes para que, mesmo que não seja sobre ou adaptado de um jogo diretamente, o filme mantenha um aspecto de jogo por toda a metragem. Quando novas ambientações são introduzidas na trama, por exemplo, a obra faz uso de planos aéreos que filmam todo o bairro de cima, de forma que a pequenez dos elementos em cena os faz parecerem pedaços de uma maquete – ou melhor, de um tabuleiro de jogo.

O grande mérito do filme, porém, está na forma como a narrativa escala no absurdo sem abraçar a seriedade, o que permite que “A Noite do Jogo” flerte com a sátira. Mesmo quando as situações se intensificam e o jogo cede lugar a momentos de risco de vida, o roteiro e a direção sempre encontram uma forma de recolocar a narrativa no humor – há desde piadas inseridas em momentos chave do filme até atuações que abraçam a caricatura justamente nos apogeus dos arcos dos personagens.

“A Noite do Jogo” acerta por dosar humor e ação na medida certa, de forma que haja uma predominância da comicidade na narrativa, mesmo quando esta se torna mais sombria. Como resultado, nunca há perda do domínio por parte dos diretores, que conseguem sempre esticar o tom do filme até o terror, o suspense e a ação, mas sempre encontram subterfúgios que possibilitem ao espectador manter seus pés no humor.

Por todos esses predicados, “A Noite do Jogo” consegue ir do drama de casal ao absurdo e à paródia, sem nunca abraçar exageros ou parecer uma caricatura de suas próprias ideias. É tecnicamente eficiente, esteticamente criativo, mas, acima disso, divertido pra caramba.

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