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A Qualquer Custo

A Qualquer Custo

Matheus Fiore - 20 de dezembro de 2016

O plano em 360 graus que abre A Qualquer Custo é não só uma demonstração do domínio técnico do diretor David Mackenzie sobre sua obra,  é também uma simbólica síntese do mundo no qual seremos inseridos pelos próximos 102 minutos de projeção, um mundo vasto, desgastado e sem alma, audaciosamente cadenciando momentos de calmaria e adrenalina (uma dualidade presente em cada segundo da narrativa). Por meio do contraste entre personagens e paisagens, o longa abre com o primeiro assalto dos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner Howard (Ben Foster) à um banco local.

A trama é simples: os irmãos  estão passando por vários bancos e roubando dinheiro para um desconhecido fim. Enquanto acompanhamos seus assaltos e fugas, conhecemos Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham), uma dupla de policiais texanos que devem investigar e prender os ladrões. Apesar de simples, o roteiro é assertivo na construção dos personagens e suas relações.

O relacionamento dos irmãos Howard é desenvolvido com poucos diálogos e muito beneficiado pela excelente atuação da dupla Chris Pine e Ben Foster. Enquanto Pine demonstra a culpa de seu personagem pela sequência de crimes com uma atuação contida, melancólica e bem cimentada com os olhares desesperançosos e cabeça inclinada para baixo, Foster constrói um Tanner vívido, sedento por ação. A mistura das duas personas que guiam a trama retrata bem o clima que povoa a obra: uma narrativa lenta, despreocupada, mas ao mesmo tempo impulsiva e cheia de vida nos momentos mais ágeis da história.

Para construir esse clima, há a presença marcante da exuberante fotografia de Giles Nuttgens. Ao usar cores ressecadas em planos abertos que enaltecem a imponência das ambientações, Nuttgens cria uma sensação de desgaste, de falta de vida nas nas cidades do sul dos Estados Unidos por onde os personagens passam. Esta sensação de vazio, aliás, está presente desde a abertura do filme, que se inicia com um aparente plano geral que destaca uma rua deserta antes de migrar para uma panorâmica que realça o clima de toda a região.

Mas é no questionamento moral trazido pelas atitudes da dupla protagonista que o filme encontra seu ponto forte. Apesar de inicialmente aparentar que Toby e Tanner sejam vilões, a obra inteligentemente empurra o espectador para dentro do contexto social texano e, por meio de de sutis diálogos, dá uma roupagem de vingança ao plano dos irmãos.

Mais interessante ainda é ver que o filme não se esforça para desenvolver essa motivação com diálogos expositivos, deixando a o espectador à par da situação aos poucos, assim como a dupla policial. As conversas entre os policiais e a deles com os clientes da lanchonete deixam claro que, apesar de não concordarem, muitos dos habitantes das cidades “assaltadas” compreendem as escolhas dos Howard.

Toby e Tanner, afinal, não estão simplesmente roubando pela ganância. Há um rico e sutil background de retaliação às consequências do enriquecimento dos bancos nas cidades do interior americano. Como em um fantástico diálogo do longa explicita, aquele povo sempre foi pobre, assim como seus ascendentes e, se nada for feito quanto à isso, seus descendentes. Mesmo sabendo das consequências de suas escolhas, os personagens escolhem lutar por sua honra.

O peso na consciência do protagonista, aliás, é muito engrandecido pelas cenas de assalto. Diferente do que se espera, não há uma direção ágil acompanhada por intensa trilha sonora. Apesar de seu irmão, Tanner, ser um bandido por natureza, Toby não vê prazer em seus roubos. A câmera se recusa a focar em armas ou no dinheiro, o que está em jogo é muito mais que isso, é a dignidade dos personagens.

Para encerrar o poético arco narrativo do longa, há um inteligente uso da cor preta no figurino de alguns dos personagens, simbolizando o fardo que estes terão que carregar por toda sua vida graças às decisões tomadas que os levaram até aquele momento. O plano geral que mais uma vez enaltece a beleza do horizonte não deixa dúvidas: para o espectador pode até haver algum dilema moral, mas para os personagens, não há incerteza quanto às suas decisões. Não houve em nenhum momento. Mais importante do que o peso de suas atitudes é o legado por eles deixado.

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