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A Rede Social (2010)

A Rede Social (2010)

O Deus do nada

Matheus Fiore - 30 de março de 2020

Antes de termos o Facebook, a internet já era uma realidade em nossas vidas. O Facebook, porém, foi um marco. Não só por ser a maior rede social da história da internet – hoje, já são mais de dois bilhões de usuários pelo mundo –, mas principalmente por ter se tornado a identidade da vida digital. O Facebook é a página “zero”; é (ou foi, por muito tempo), o ponto de partida para qualquer interação online. É como se a rede social de Mark Zuckerberg tivesse se tornado um mundo paralelo ao real. No filme de David Fincher, “A Rede Social”, esse mundo foi criado justamente para Mark ser, em um lugar criado por si, o que não conseguiu ser na vida real.

O que vemos em “A Rede Social” é o esforço de Zuckerberg (Jesse Eisenberg) para criar um mundo no qual ele possa ser socialmente relevante. A obra de Fincher, porém, mostra como esse esforço tem um custo. Não por acaso, a conquista de um bilhão de usuários na rede social acontece em uma cena na qual, após a celebração, Mark Zuckerberg aparece totalmente destacado do restante dos personagens, já que o plano utiliza uma profundidade de campo pequena, que desfoca todos atrás do protagonista. A tentativa de utilizar o virtual para chegar ao real se mostra um fracasso que isola ainda mais Mark do real.

Fincher trabalha essa diferenciação entre o real e o virtual desde o começo do filme. Enquanto Zuckerberg trabalha no Facemash, a ferramenta que comparava a aparência das estudantes de Harvard, a montagem alterna entre seu projeto isolado, em seu quarto no campus da universidade, com uma festa de fraternidade. Enquanto os clubes nos quais Mark nunca conseguiu entrar vivem suas rotinas de festa, ele cria o seu próprio, esculpe seu mundo virtual como vingança da classe que não o abraça.

A ideia de Fincher, porém, não é meramente julgar o personagem por suas escolhas, apenas esmiuçar essa jornada por inclusão que, ao fim, resulta no isolamento. A necessidade de aprovação de Mark reflete em todas as suas relações. Enquanto Zuckerberg é um sujeito extremamente preso à vida virtual, seu melhor e único amigo, Eduardo Saverin (Andrew Garfield) transita entre os dois mundos, mas tendendo sempre a manter seus pés no mundo real – nada poderia simbolizar mais isso do que o personagem escrevendo algoritmos na janela do alojamento, e não em seu computador. “Wardo”, como é conhecido, é um cara cool, que está prestes a ser aceito em um dos mais prestigiados clubes de Harvard, algo que obviamente desperta a inveja do amigo.

Mas enquanto Wardo, sócio e co-fundador da empresa de Mark, se esforça no mundo real para fazer o Facebook crescer, Mark acaba por se aproximar da única figura do filme que, de fato, transita entre o virtual e o real com facilidade: Sean Parker (Justin Timberlake, na melhor atuação de sua carreira). Sean, porém, visa apenas utilizar o virtual para ser relevante no real – como Fincher nos mostra de forma perspicaz na cena na qual ele coloca dois copos cheios de bebida em cima de um laptop. O personagem de Timberlake quer se vingar de antigos desafetos e celebrar com mulheres e drogas com os ganhos do Facebook.

Como o crítico Francisco Carbone comentou em seu Facebook (!), David Fincher talvez seja um dos poucos cineastas contemporâneos que realmente podemos chamar de visionário. Fincher previu não só o esvaziamento do mundo real enquanto migrávamos para o digital, mas também nossa dependência de acontecimentos simples como uma atualização, uma mensagem, um email, que nos faz abandonar completamente a realidade. Fomos contagiados pela doença do F5, a necessidade de mudar o imutável e aguardar por uma mudança que possivelmente nunca virá.

No caso da cena final de “A Rede Social”, é interessante ainda observar como Fincher transforma em tragédia essa relação de Mark com o F5. No fim do filme, durante uma das sessões do julgamento do processo movido por Eduardo contra Mark, Fincher mostra o personagem, em seu computador, tentando se aproximar de uma mulher que trabalhava no julgamento. A recusa dela é como se fosse a tampa do caixão da tragédia do personagem, que implora por qualquer conexão humana enquanto é uma espécie de Deus no mundo virtual.

Se, quando no começo do filme, após ser rude com sua namorada e vê-la terminar o relacionamento, Mark corre de um bar direto para seu quarto para se afogar no mundo virtual, o protagonista imaginava estar fazendo algo legal, ao fim, decerto o personagem compreendeu o peso de todas as suas escolhas. O Zuckerberg do filme destruiu todos os seus laços reais (a namorada, o melhor amigo, a faculdade) em prol de seu projeto de criação de um mundo paralelo. O que “A Rede Social” deixa claro, porém, é que ninguém pode viver exclusivamente no digital, e até mesmo os bilhões de perfis existentes no Facebook só existem pois, por trás deles, há pessoas reais os administrando (pelo menos na maioria dos casos). A Mark, resta apenas tentar se conectar a sua ex-namorada por meio do mundo que ele mesmo criou, no fundo sabendo que está mais distante dela do que nunca.

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