Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Amor à Segunda Vista

Amor à Segunda Vista

Como seu protagonista, a obra de Gélin é tão divertida quanto imperfeita

Matheus Fiore - 10 de julho de 2019

Trazer algum frescor para comédias românticas é um desafio e tanto em 2019. O subgênero, que teve seu apogeu entre os anos 90 e 2000, acabou saturado pela quantidade de filmes rendidos às mesmas fórmulas. Posteriormente, outra proposta também foi desgastada: a dos filmes que desconstroem o modelo narrativo das comédias românticas. Em “Amor à Segunda Vista”, o francês Hugo Gélin tenta, de certa forma, evocar ambas as propostas. A ideia parece ser utilizar ambos os elementos do gênero para criar um recorte distante, que analisa o peso de cada uma das escolhas feitas pelo protagonista.

Os primeiros minutos de “Amor à Segunda Vista” por si só já apresentam uma síntese da história que geralmente percorre longas-metragens inteiros. Jovens com interesses em comum se apaixonam e terminam juntos. As ambições de Gélin, porém, vão além de retratar o amor juvenil. Os créditos iniciais são projetados enquanto acompanhamos a uma montagem que reúne os momentos do relacionamento entre o escritor Raphaël Ramisse (François Civil) e a professora de piano Olivia Marigny (Joséphine Japy). Aos poucos, o amor vai cedendo lugar à frieza, e a vida profissional e o individualismo esfriam o casamento dos personagens. A história tem sua trama estabelecida quando, um dia, Raphaël acorda em uma realidade alternativa alternativa na qual nunca conquistou o amor de sua vida e nem teve uma carreira de sucesso como autor literário.

Há muito das comédias românticas convencionais em “Amor à Segunda Vista”, como o coadjuvante que funciona basicamente como alívio cômico e ferramenta do roteiro para expor ideias e dar mais base para a trama e até os momentos embaraçosos do protagonista. Quando tenta por seu personagem principal em crise pelo conflito entre seus feitos e o resultado deles, o longa acaba perdendo sua potência por nunca dar peso aos acontecimentos, algo que ocorre justamente para manter esse olhar distante e levemente pasteurizado de Gélin.

O cineasta está mais interessado em expor esses erros do personagem ao inseri-lo em situações que são praticamente reflexos de sua vida prévia, permitindo, assim, que a sutileza seja o caminho para desenvolver o personagem e suas transformações. Em outras palavras: Gélin encontra os defeitos de seu protagonista, mas ou os ignora, ou joga para debaixo do tapete, ou apenas faz humor com eles, algo que acaba se esgotando rapidamente, já que havia um espaço enorme para debater o caráter de Raphaël.

 

É impossível não apontar que há claramente um esvaziamento dramático proveniente dessa escolha pelo distanciamento da câmera. Apesar de esculpir toda a narrativa do longa ao redor da ideia da conciliação entre sucesso profissional e pessoal, Gélin jamais mergulha seu filme em uma intelectualização sobre o vício no ofício ou a arrogância do escritor. A ideia parece ser mais utilizar tais elementos apenas como um meio para fazer da jornada de Raphaël um exercício de autocrítica e reflexão sobre os rumos que tomou na vida e como eles impactam no seu presente, mas, como dito, essas reflexões quase nunca são aproveitadas ou de fato trabalhadas para além de uma ou duas improdutivas trocas de diálogos. Mesmo que interessante por conseguir manter o filme sempre próximo do relacionamento entre Raphaël e Olivia, essas escolhas acabam limitando dramaticamente a narrativa e sugerindo muitas ideias que acabam não sendo exploradas – como os erros que o protagonista parece reconhecer mas não se movimentar para corrigir.

Conseguindo balancear o humor com o estudo de personagem sem nunca ceder às emoções e conflitos mais fáceis, “Amor à Segunda Vista”  não possui grandes feitos, mas foge de algumas escolhas comuns e, com isso, constrói uma jornada que expõe as falhas de seu protagonista com eficiência – mesmo que careça de um roteiro mais refinado para que possamos sentir alguma evolução no personagem diante dos aprendizados. A obra prefere manter uma aura leve, de comédia adocicada, e observa de longe as questões mais sérias que surgem em sua narrativa, sem a pretensão de aproximar-se delas a fim de levantar debates aprofundados.  Se o ato inicial não sugerisse tantas ideias interessantes, a comédia despretensiosa por si só seria excelente. Como há, desde o começo, a criação de um cenário propício para um estudo psicológico, “Amor à Segunda Vista” acaba sendo um filme equivalente ao seu protagonista: divertido, criativo, mas imperfeito.

Topo ▲