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Borg vs McEnroe

Borg vs McEnroe

Gustavo Pereira - 6 de novembro de 2017

Borg vs McEnroe retrata um antagonismo que só é possível porque desenvolve os dois protagonistas com equilíbrio. Björn Borg (Sverrir Gudnason), tetracampeão consecutivo de Wimbledon em busca do quinto título. John McEnroe (Shia LaBeouf), um jovem prodígio que cresceu admirando Borg e agora tenta superá-lo. O sueco e o norte-americano, o gelo e o fogo. Por trás de uma sintetização óbvia e rasteira, o diretor Janus Metz acrescenta múltiplas camadas de complexidade, mostrando que os caminhos para a glória podem ser diferentes, mas o objetivo é o mesmo.

A versão para “consumo externo” veiculada pela imprensa esportiva coloca Borg como “o cavalheiro”, enquanto McEnroe é “o rebelde”. Este choque de personalidades cria o espetáculo midiático necessário para tornar o principal torneio de tênis do mundo num evento global. Mesmo que poucos se interessem pelo esporte, todos se interessam por uma boa briga. Se for uma briga do Bem contra o Mal, tanto melhor. Borg vs McEnroe poderia ser exaltado por mostrar como um herói só é considerado grande quando comparado a um vilão à altura. Mas isso seria ignorar a principal virtude do filme: ninguém se vê como vilão da própria narrativa. Portanto, se Borg e McEnroe são heróis de suas jornadas particulares, talvez não haja herói algum, tampouco vilões.

A montagem do filme, temática em vez de linear, explicita o quanto os dois tenistas são, a despeito do que os noticiários dizem, parecidos. Quando McEnroe rabisca na parede do seu quarto de hotel todo o chaveamento do torneio, descobrindo que uma final com Borg era possível, imediatamente somos levados à juventude do americano, prendendo uma faixa na cabeça em frente ao pôster pendurado em seu quarto com o sueco usando uma faixa igual. Pouco antes, a infância de Borg, salientando a importância do treinador Lennart Bergelin (Stellan Skarsgård) para a sua formação enquanto atleta e indivíduo, deixa claro que o tênis não foi um caminho natural. Borg precisou vencer a descrença que todos – à exceção de Bergelin – tinham nele, algo que depois é mostrado na vida de McEnroe.

A fotografia de Borg vs McEnroe brinca com esse falso antagonismo associando inicialmente o sueco a cores frias de quartos de hotel e vestiários, enquanto o americano é iluminado por amarelos incandescentes de boates. Mesmo o sol parece mais quente para McEnroe. A trilha também acompanha o dualismo, “lenta” para Borg e “dinâmica” para McEnroe. No desenrolar da trama, essa divisão fica cada vez mais desfocada, até finalmente sumir.

Borg vs McEnroe Sverrir Gudnason Shia LaBeouf

Um indicativo da semelhança entre os dois está no figurino: antes de cada partida, ambos vão para a quadra com agasalhos vermelhos. Precisamente a cor associada tanto à raiva quanto à paixão.

Stellan Skarsgård é um dos atores vivos com melhor gestão de carreira. Parceiro de longa data de diretores como Lars von Trier, usa da exposição em filmes da Marvel para viabilizar projetos como Borg vs McEnroe. Não há nada da frivolidade de Erik Selvig em seu Lennart Bergelin, perfeitamente equilibrado entre o pai substituto de um jovem sem rumo, o mentor clássico do monomito descrito por Joseph Campbell e o atleta frustrado projetando no garoto-prodígio as próprias aspirações. Cada ato é tanto uma orientação para Borg quanto uma manipulação sobre ele. E ambos dependem dessa relação para justificarem as próprias existências. Ian Blackman, que interpreta o pai de McEnroe, também merece elogios por conseguir, em pouquíssimas cenas, justificar a sombra que representa na vida do filho, sempre menosprezando seus feitos e maximizando suas falhas.

Falta ao filme o capricho que, por exemplo, Whiplash teve ao contar sua história de artista obcecado pela perfeição: Miles Teller não toca a bateria no ato final do filme de Damien Chazelle, mas a edição torna praticamente impossível afirmar isto pelo resultado final. Já a partida entre Borg e McEnroe tem a mesma saída preguiçosa de A Guerra dos Sexos, com closes faciais nos atores e uso pornográfico de dublês de costas. Se o filme de Chazelle contém uma certa ode à causalidade, em que o sucesso é resultado direto do sacrifício pessoal, independente de quem o promova ou de que forma, Metz cai numa esparrela sentimental abusiva. No último ponto do duelo, um saque se arrasta em câmera lenta por quase um minuto (quando não chega a durar um segundo), para que ambos os tenistas vejam um flashback de tudo o que fizeram até aquele momento e como aquele ponto mudará suas vidas para sempre.

Ainda assim, Borg vs McEnroe é o melhor filme sobre esportes desde o excelente Rush, pois desconstrói o senso comum de que a serenidade é construtiva e a raiva é manifestação do caos: ambos são métodos igualmente válidos para se alcançar a excelência. Da mesma forma que a pororoca é um encontro furioso entre mar e rio, mas ambos são água.

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