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Bright

Bright

Matheus Fiore - 24 de dezembro de 2017

Em um mundo alternativo onde a humanidade convive com orcs, elfos, fadas e outras criaturas e elementos místicos, Bright se centra na dupla de policiais Daryl Ward (Will Smith) e Nick Jakoby (Joel Edgerton). O primeiro, um policial humano bem quisto por seus colegas, não demonstra muito afeto pelo segundo, um orc que, por ser de uma raça marginalizada, é menosprezado e desvalorizado pela sociedade. Os dois oficiais precisam trabalhar juntos para evitar que uma poderosa arma caia em mãos erradas. Por meio dessa premissa, Bright mistura elementos mágicos dignos dos RPGs de mesa com um cenário de extrema segregação racial, tentando traçar um paralelo entre o preconceito dos humanos com os orcs com o preconceito dos brancos com os negros para criar uma trama que, enquanto conta uma aventura mágica, tece comentários sociais relevantes.

Por mais que a premissa cheia de elementos fantásticos possa sugerir, Bright não traz muitas novidades visuais. O filme se passa em uma Los Angeles bem similar a que conhecemos, tendo como única diferença a existência dos seres mágicos. O roteiro da obra recicla ideias sem nenhum pudor, há até os mesmos artifícios de criação de tensão de trabalhos anteriores de David Ayer – como a empatia e o perdão como elementos redentores, assim como foi feito (de forma muito mais concisa) em Dia de Treinamento. Os personagens, por sua vez, são trabalhados em cima de estereótipos: enquanto Ward é o tipo durão e preconceituoso, que não aceita nem mesmo seu próprio parceiro devido à sua raça, Jakoby, por sua vez, é um personagem mais sensível, principalmente por ser rejeitado tanto pelos demais orcs, por não seguir o estilo de vida típico deles, quanto pela força policial, que não o aceita.

Quando foca na trama mágica, Bright não empolga por não trazer novidades. Estão lá o elemento mágico que move a história, as diferentes raças que deveriam enriquecer o universo, a busca por redenção do protagonista cheio de defeitos… Tudo, porém, surge de forma mecânica, e a estética do filme não contribui em nada: Bright não sabe se deve fincar seus pés na realidade ou se deve embarcar, progressivamente, na magia daquele universo. Como resultado dessa indecisão, a obra termina em um meio termo que torna desinteressante tanto a parte “realista” quanto a parte “fantástica”, ambas rasas e extremamente discrepantes.

No uso dos cenários, porém, a fotografia acerta ao apostar em pouca iluminação e cenários bem opressores, criando a atmosfera hostil que permeia o mundo da obra. Nisso, a abertura, que traz pixações pelos muros de Los Angeles, também é importante, tanto para dar um ar urbano à narrativa, quanto para estabelecer as fortes tensões raciais que permeiam toda a projeção.

Quando foca na crítica social, Bright não emplaca por nunca fugir das camadas superficiais do tema. Personagens que querem exterminar o outro simplesmente por questões raciais, outros que não confiam em terceiros pela diferença de espécie, e por aí vai. Nada disso é absurdo ou desconexo com a realidade, mas é apresentado de maneira maniqueísta, impedindo questionamentos mais pertinentes e que tragam algum frescor para filmes de temática racial. Pela existência de criaturas mágicas, Bright tem a oportunidade de trabalhar o tema com mais profundidade, explorando os racismos menores e o racismo estrutural, mas se limita a falar sobre as relações mais superficiais – que são, sim, importantes de serem discutidas, mas são também as mais óbvias.

Ayer, que assina a direção, não encontra o tom ideal nas cenas de maior peso narrativo. Quando Ward toma uma decisão que muda o rumo da história, por exemplo, há um enorme conflito que pede uma abordagem mais séria (e talvez até heróica), e a escolha de Ayer é imprimir um tom leve ao utilizar, juntamente à câmera lenta, uma música pop para acompanhar o momento, tirando qualquer possibilidade de impacto. As cenas de ação até demonstram uma evolução de Ayer em relação ao seu mais recente trabalho, o horrendo Esquadrão Suicida, trazendo um interessante contraponto de perspectivas, principalmente nas cenas que envolvem carros (o ponto de vista de dentro do veículo em contraste à ação que ocorre externamente).

Bright não chega a ser um fracasso absoluto como Death Note, mais recente desastre da Netflix, ou como Esquadrão Suicida, trabalho anterior do diretor, mas erra por apostar em uma análise do racismo muito unidimensional, sendo incapaz de trazer qualquer nuance que o público geral já não tenha visto em outros trabalhos. Incerto se deve ser uma análise da segregação racial ou uma aventura fantástica, Bright tenta ser os dois e acaba não executando com competência nenhum. Um filme que muito almeja e pouco realiza, deixando tudo que havia de bom apenas no campo das ideias.

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