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Ciclo Solitário

Ciclo Solitário

O sentimento de não pertencimento e a desolação por não poder trocar o presente pelo passado

Matheus Fiore - 29 de outubro de 2020

O novo filme de Zhang Qi, Ciclo Solitário, lembra bastante o também chinês Prazeres Desconhecidos, de Jia Zhang-ke. Enquanto a obra de 2002 fala sobre questões geracionais e o sentimento de isolamento e aprisionamento na juventude, o de 2019 que está em cartaz na Mostra de São Paulo está mais preocupado com a relação de seus personagens com o tempo. Ciclo Solitário mostra personagens que não se adaptaram às mudanças que a vida lhes impôs e, por isso, vivem com saudade do passado.

Há escolhas interessantes de Zhang Qi, mas que cobram seu preço. O filme não se interessa tanto por voltar ao passado, e faz do presente sua única realidade. Ciclo está sempre mostrando seus personagens desconfortáveis e em cenários sufocantes, hostis. Geralmente sombrios devido às escolhas de fotografia e bastante melancólicos pela forma como a trilha musical se desenha. Zhang Qi nos imerge em um ambiente no qual os personagens parecem nunca ter um norte ou um objetivo e apenas vivem para lamentar a impossibilidade de regressar ao momento em que eram realmente felizes.

A semelhança com Prazeres Desconhecidos se faz pela forma com que Zhang Qi retrata seus personagens, que estão sempre presos a ciclos de atividades inférteis. Ciclo Solitário passa a maior parte de seu tempo retratando os personagens caminhando pela cidade, andando de bicicleta, tendo pequenas discussões, mas o que aflige tanto eles quanto o espectador é a sensação de que nada do que vemos em tela levará algum deles a qualquer lugar. É um sentimento constante de inércia, de inexorabilidade, como se a realidade não pudesse ser alterada e, pelo fato de o passado se tornar um fantasma intocável, o futuro também estivesse condenado por ser condicionado pelo presente.

Zhang Qi ainda consegue contrastar essa realidade com o que existe fora do núcleo dos personagens. Quando a protagonista caminha em um porto e a câmera a abandona por um curto momento para filmar um casal feliz celebrando seu casamento em um barco, fica ainda mais intensa a melancolia que persegue o núcleo principal. Por mais que, em boa parte do tempo, Zhang Qi apenas recorre à repetição de uma mesma ideia para construir essa desesperança no semblante dos personagens, Ciclo Solitário ainda consegue ser um retrato interessante sobre o sentimento de não pertencimento e vazio deixado por uma mudança imposta pelo destino e que não pode ser alterada pelas aspirações humanas.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 44ª Mostra de São Paulo. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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