Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Círculo de Fogo: A Revolta

Círculo de Fogo: A Revolta

Gustavo Pereira - 22 de março de 2018

Para começar a falar de “Círculo de Fogo: A Revolta”, é preciso voltar ao filme de 2013, quando Guillermo del Toro deu uma aula a Michael Bay no que diz respeito a narrativa, direção e efeitos (digitais e práticos). Não é a quintessência do Cinema, mas presta uma justa homenagem aos animes do subgênero Mecha, principalmente a “Neon Genesis Evangelion”. Um entretenimento honesto feito por alguém que domina as ferramentas de linguagem cinematográfica e storytelling. Tudo o que os “Transformers” de Bay tentam ser e não conseguem.

Círculo de Fogo: A Revolta

“Um Pacific Mais Rim Ainda”, “Deu a Louca no Pacific Rim”, “Um Pacific Rim de Verão”…

Isto posto, “A Revolta” é um desserviço à obra de del Toro. Tudo o que o primeiro filme tem de original é descartado neste segundo, enquanto tudo o que antes era primoroso agora parece feito por um estudante de Cinema na aula introdutória de efeitos visuais. Não apenas falta identidade ao filme de Steven S. DeKnight (criador da série “Spartacus”). Falta uma história, ou ao menos um motivo para estarmos revisitando este universo.

No primeiro filme (o melhor parâmetro para apontar como “A Revolta” é desleixado), a Corporação de Defesa Pan-Pacífica (PPDC no original em inglês) conta com um limitado orçamento para manter o Programa Jaeger. Exatamente por isso, usando os últimos robôs gigantes disponíveis, entra numa ação suicida para selar a “Fenda”, a porta entre dimensões por onde os Kaiju entram na Terra. Tudo no ato final do longa dirigido por del Toro reforça essa urgência do “último esforço”, do “tudo ou nada”. Logo no primeiro monólogo do filme de DeKnight, descobrimos que a PPDC passou os últimos dez anos se reforçando, construindo Jaegers e recrutando pilotos.

Se uma aliança militar não tinha orçamento para se manter no auge de uma ameaça real à Humanidade, por que bilhões de dólares seriam despejados para mantê-la operacional sem ameaça alguma? Este já é o primeiro indício de que “A Revolta” não tem a menor ideia do que está fazendo, mas definitivamente não é o único. Neste mesmo monólogo Jake Pentecost (John Boyega), filho do Marechal Stacker Pentecost (vivido no primeiro filme por Idris Elba), conta como o mundo se reconstruiu após o fim da ameaça Kaiju, mas não uniformemente: cidades litorâneas de países mais pobres ainda vivem em meio a ruínas e uma economia informal se criou em torno do mercado negro de espólios da guerra, tanto de tecnologia Jaeger quanto de restos biológicos dos Kaiju. Uma abordagem inesperada que seria bem-vinda para dar um peso político ao filme, mas que dura cinco minutos e depois é completamente ignorada.

Círculo de Fogo: A Revolta

John Boyega é carismático, mas nada justifica os rumos de “A Revolta”

Em outra ocasião, durante um evento da PPDC em Sydney, um grupo de manifestantes ostenta placas contra os Jaegers e a favor dos Kaiju, numa espécie de culto às criaturas gigantes, como se estas fossem deuses e os robôs fossem os reais inimigos. Pensando no poder de repressão que tais máquinas poderiam representar num mundo parcialmente em ruínas, com miséria e criminalidade, também seria um pano de fundo crítico sobre o papel do Estado na garantia do bem estar social e como políticas de guerra fracassam em tempos de paz. Mas, outra vez, é uma ideia que dura um piscar de olhos e é solenemente descartada em seguida. Fica a dúvida se DeKnight considerou estas inserções suficientes para politizar seu filme (improvável) ou se ele sequer percebeu o que estava fazendo (lastimável).

“Círculo de Fogo: A Revolta” é muito mais simples do que isso. Jake se sente ofuscado pela sombra do pai e renega seu legado, tentando viver a própria vida. Uma sucessão de eventos o coloca exatamente onde menos gostaria de estar, no lugar antes ocupado por Stacker. Ao seu lado, a jovem Amara Namani (Cailee Spaeny) quer exatamente o oposto: se tornar, ela própria, uma lenda entre os pilotos de Jaeger. A dupla não funciona como esperado porque não há uma conexão simbólica. Em 2013, Becket (Charlie Hunnam) e Mako (Rinko Kikuchi) eram dois outsiders lidando com perdas traumáticas; agora, tenta-se criar algo parecido, mas as motivações dos personagens não têm consonância. E a tentativa de recriar em Namani uma experiência traumática similar à de Mako é, pra dizer o mínimo, constrangedora e tosca.

Círculo de Fogo: A Revolta

Enquanto del Toro colocou seus atores dentro de cabeças de Jaegers construídos exatamente para dar maior senso de realidade às ações, DeKnight abusa da tela verde

O elenco de apoio parece composto por atores rejeitados no teste elenco de “Malhação”, com atuações pedestres para textos risíveis. Personagens mudam de opinião ao sabor do roteiro, tornando o andar da trama “imprevisivelmente previsível”: todos sabemos que a história vai chegar a uma luta entre robôs e monstros, mas o caminho para se chegar lá é tão incoerente que nem essa recompensa satisfaz. Principalmente porque, diferente de del Toro, a direção de DeKnight não valoriza tais lutas. Em 2013, temos a nítida sensação de que criaturas gigantescas foram inseridas em cidades reais. Agora, é como se cidades em miniatura fossem construídas em torno de criaturas de estatura normal. Algo próximo do que acontecia na série de TV dos “Power Rangers”. A direção de arte criou monstros e robôs sem identidade.

Círculo de Fogo: A Revolta

Além da pouca autenticidade, as armas dos Jaegers não são nada práticas: parece que o diretor de arte se preocupou mais em criar artefatos “legais” do que realmente efetivos para uma briga contra um Kaiju e fracassou duplamente. Os planos americanos (da coxa pra cima) com os prédios no fundo ajudam a diminuir a grandiosidade das máquinas, que mais parecem humanos de metal do que robôs gigantes.

Ferramentas de linguagem cinematográfica que del Toro usou para dar noção de escala inexistem e a destruição não tem peso. As lutas, antes sujas e violentas, agora se assemelham a um balé mal ensaiado. No processo de “evolução”, o novo “Círculo de Fogo” se aproximou dos “Transformers”. Não apenas pelas lutas forjadas e monótonas, mas principalmente pela falta de sentido no enredo e nas tomadas de decisão dos personagens. A única melhoria em relação ao primeiro filme é a presença de um protagonista carismático (Boyega se mostra como um rosto viável para alavancar bilheterias em superproduções, algo digno de nota) e o bom uso de alívios cômicos. Mas é isso e nada mais. “Círculo de Fogo: A Revolta” é como uma fanfic: desnecessário, pretensioso, mal escrito e artisticamente pobre.

Dá quase vontade de torcer pelos Kaiju.

Topo ▲