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Comeback

Comeback

Matheus Fiore - 11 de outubro de 2016

Não estando entre os mais badalados do Festival do Rio de 2016, Comeback, filme brasileiro que participa da mostra competitiva e que é muito bem dirigido e escrito por Erico Rassi, traz uma bela mistura de referências. Desde o saudoso faroeste espaguete à uma leve influência do jovem-clássico Onde Os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen, temos aqui um dos mais interessantes e originais filmes nacionais de 2016. A história acompanha Amador (interpretado pelo fantástico Nelson Xavier), um pistoleiro aposentado que vive como negociador trabalhando para o odioso Tio, bandido da mesma geração do protagonista e um dos “donos” do lugar. O filme se passa em uma cidade interiorana no Centro-Oeste brasileiro. Assim como na vida real, a região não atrai tanta atenção quanto Sudeste e Sul e, consequentemente, proporciona momentos dignos de uma terra sem lei.

A fotografia saturada é primordial na construção do clima de abandono violento e ameaçador que permeia a cidade. A relação de Amador com seu jovem aprendiz é sintetizada em poucas palavras, principalmente graças à fantástica atuação de Xavier, que apesar de construir um protagonista calmo e tristonho, demonstra no olhar e no timbre de voz o saudosismo de sua juventude. O filme, aliás, foca muito no saudosismo dos personagens, que em vários momentos relembram seus feitos passados e lamentam não verem seu legado honrado pela atual geração. É curioso perceber que em uma região abandonada e ignorada pelo estado, as percepções morais e éticas são completamente distorcidas, chacinas e assassinatos não são fatos a se lamentar, e sim enaltecer.

O roteiro é funcional, mas tem seus tropeços. A participação dos dois supostos cineastas é inserida de forma bruta e logo percebemos que só existe para criar a especulação em torno da veracidade da história contada por Amador. Por outro lado, o relacionamento do pistoleiro protagonista com seus colegas do passado é fantasticamente conduzido com poucas falas e muitos olhares e expressões, fortalecendo a ideia de que o relacionamento destes já perdura há décadas. A trilha sonora é bem discreta mas muito eficiente, composta em sua maior parte por violões dedilhados, é tão importante quanto a paleta de cores e os planos abertos para a construção do tom desgastado e mórbido da cidade.  A sensação de insegurança e medo pela forma que a violência está intrínseca no âmago daquela sociedade ainda pode ser vista como uma alegoria à situação das regiões mais periféricas do Brasil.

Outro grande acerto de Comeback é guardar a intensidade para o catártico clímax. Sem ser apressado e respeitando o tempo de Amador, o “dono” do filme, a parte final é narrativamente impecável e faz  bom uso de detalhes inseridos despretensiosamente no começo da película, transformando alguns momentos (como a cena em que o pistoleiro vai buscar suas metralhadoras) em um belo fechamento de ciclo. Encontrando em seus derradeiros momentos a única conclusão possível para a história apresentada, Comeback é um filme bárbaro e paciente, valorizando o que há de melhor em um bom faroeste: a manutenção do tempo, sendo mais um belo exemplo da riqueza do cinema brasileiro aliado à boas e sutis influências do cinema americano e italiano.

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