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Desajustados

Desajustados

Matheus Fiore - 6 de julho de 2016

Fúsi é um menino obeso islandês que mora com sua mãe, come seus cereais religiosamente, brinca com suas miniaturas militares da Segunda Guerra Mundial, nunca teve uma namorada e sofre bullying de seus colegas. Até aí, tudo normal, exceto pelo fato de o personagem estar chegando aos seus cinquenta anos. Desajustados (título excelentemente adaptado de Fúsi) acompanha esta peculiar figura que tenta (sobre)viver em um mundo totalmente alheio à sua existência.

Os primeiros minutos do filme são uma verdadeira aula de introdução de personagem, com poucas cenas já conhecemos sua monótona e limitada rotina. Com ajuda da excelente direção de Dagur Kári ao lado da boa fotografia de Rasmus Videbæk, percebemos o total vazio existencial que permeia a vida de Fúsi. A figura mal cabe nos enquadramentos e é constantemente filmado em planos claustrofóbicos, simbolizando o quão “desajustado” ele está por ter uma mente pré-adolescente em um corpo adulto.

O filme tem seu primeiro ponto de virada quando o personagem se aproxima de sua nova vizinha que aparenta ter no máximo dez anos. Fúsi acaba se tornando amigo da menina e, a partir daí, seu mundo se expande. Logo em seguida o protagonista é coagido a participar de uma turma de aulas de dança e conhece Sjöfn, uma floricultora que é seu extremo oposto: espontânea,  descontraída e impulsiva.

O relacionamento de Fúsi com sua vizinha é narrativamente essencial para mostrar como ele está totalmente excluído da sociedade. Certas atitudes totalmente inocentes do rapaz acabam o levando inclusive à delegacia. Já sua relação com sua mãe é sucintamente mostrada e funciona para mostrar o quão infantilizado ele é pela mesma. Sua progenitora poderia ter uma ou duas cenas a mais para fortalecer e desenvolver melhor seu relacionamento.

Desajustados acaba focando mesmo na crescente paixão de Fúsi e Sjöfn. Quanto mais se aproximam, mais a fotografia do filme passa de tons frios e azulados para alaranjados quentes, até que no clímax deste relacionamento há uma cena completamente dominada por lindos tons vermelhos. Mas o filme não é sobre amor, muito menos sobre relacionamentos. Desajustados é sobre uma pessoa tentando viver e se adaptar a um mundo totalmente diferente do seu. Alguns dos mais belos momentos são dos planos aéreos captando carros na rua justapostos aos planos das miniaturas de Fúsi. A função de evidenciar a confusão mental do personagem, que não consegue distinguir sua vida de suas brincadeiras, é executada com maestria, levando o espectador a não saber distinguir o real do brinquedo até que a cena avance.

Esta confusão, inclusive, é muito bem expressada pela magnífica atuação de Gunnar Jónsson como Fúsi. O ator não só se mostra desajustado mentalmente, como fisicamente. Inúmeras vezes pode-se ver o protagonista desviando o olhar com vergonha, gaguejando ou inseguro até para dar um passo. Seu trabalho é impecável e fortalece a excelente construção de personagem aliada à direção, fotografia e roteiro.

Tendo como trunfos a excelente atuação de Gunnar e a direção de Dagur Kári, Desajustados é o típico filme que passa despercebido nos principais circuitos, mas que tem enorme potencial para se tornar uma obra cultuada no futuro. Um perfeito caso de estudo de personagem que traz profundidade com sutileza e solidão com beleza.

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